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Atenção para o PL 20/2007
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO
É importante que a sociedade brasileira desperte para a tramitação de projeto de lei de tão relevante conseqüência
NA SOCIEDADE contemporânea, a ganância de setores economicamente mais poderosos
coloca em risco os direitos de parcelas
menos favorecidas da população. Debate-se muito desenvolvimento, progressos tecnológicos, avanços científicos, uma maior longevidade e, portanto, uma melhor qualidade de vida.
Mas isso só se alcançará com o progresso ordenado.
Nos dias de hoje, o aquecimento
global atemoriza e ameaça a humanidade. Há risco para a sobrevivência da
espécie humana. O desenvolvimento
econômico conduz a uma busca por
lucro. Se este se der, no entanto, sem
as devidas cautelas, corre-se o risco
do aniquilamento de seres humanos.
Discute-se na Câmara dos Deputados projeto de lei cujo objetivo é atualizar a regulamentação de parcelamentos do solo urbano -atividade de
lotear imóveis nas cidades- e, de outro lado, a regularização dos chamados "assentamentos informais", isto
é, ocupações irregulares, favelas etc.
O texto legislativo, que se iniciara
como uma pequena alteração na lei de
parcelamento do solo, hoje, após sucessivas emendas e substitutivos, se
reveste de matérias bastante diversificadas. Tal qual uma colcha de retalhos, o projeto altera o direito do consumidor, a legislação ambiental, cuida de temas que não guardam nenhuma ligação com sua origem, além de
alterar todo o sistema do registro
imobiliário e negligenciar questões
urbanísticas importantes.
É importante salientar que o Ministério Público paulista defende a regularização de assentamentos informais, pois é sua atribuição constitucional a preservação de valores como
a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia.
Porém, o projeto busca regulamentar, também, relações jurídicas futuras, ou seja, empreendimentos que
estão por vir. Não só os de perfil popular, mas todo e qualquer projeto que
envolva a produção de unidades imobiliárias nas cidades será regido pela
nova lei. É justamente nesse ponto
que residem as maiores inquietações.
Veja-se, por exemplo, a sistemática
proposta para os licenciamentos.
Busca-se simplificar o processo, unificando-o à análise de aspectos puramente urbanísticos, sendo certo que
o licenciamento ambiental possui
técnicas e princípios totalmente diversos. Procura-se, ainda, delegar, em
afronta à Constituição Federal, exclusivamente aos municípios, na imensa
maioria dos casos, a análise dos impactos ambientais de empreendimentos imobiliários, quando se sabe
que a maioria das cidades brasileiras
não conta com um mínimo de estrutura para tanto.
Pelo projeto, a proteção dada aos
recursos hídricos fica enfraquecida, o
que é preocupante. A fragilidade dos
cursos d'água não permite que a proteção seja relegada a segundo plano,
sob pena de aumentar o risco de enchentes nos centros urbanos pela
ocupação e utilização de áreas de várzea ou áreas vegetadas que hoje acolhem as cheias em épocas de chuva.
Paralelamente às questões ambientais, grave conseqüência econômica
se vislumbra com o descaso que se teve com relevantes conquistas consolidadas. O Código de Defesa do Consumidor, que se destaca internacionalmente pela modernidade e precisão
técnico-processual, hoje se vê ameaçado por um projeto de lei que abruptamente elimina direitos conquistados com o intuito de preservar a lucratividade do setor empresarial.
Na contramão da história, sem se
ater à importância da sustentabilidade do mercado de consumo, o PL 20/
2007 (antigo 3.057/2000) cria uma
onerosidade tão excessiva para o consumidor de baixa renda que acabará
por aniquilar de vez essa parcela social que se almejava proteger.
Uma profunda mudança na área
dos registros não pode ser feita em
um projeto em que o tema é tratado
de forma secundária.
Para que haja um controle da titularidade da propriedade e, assim, uma
segurança maior para os negócios, o
projeto prevê a necessidade da escrituração imediata, quer do contrato de
compromisso de compra e venda,
quer da prenotação. Essa medida, porém, não pode ser tomada sem que se
assegure a gratuidade ou, ao menos,
alguma espécie de facilitação de acesso ao registro. Não se aplaude a informalidade, mas não se concebe a mudança repentina sem a salvaguarda
dos direitos dos menos favorecidos.
É importante que a sociedade brasileira desperte para a tramitação de
projeto de tão relevante conseqüência e que o Poder Legislativo tenha
consciência da grande responsabilidade social que envolve questão de tamanha importância para a população
de baixa renda.
O Ministério Público de São Paulo
muito tem feito pela defesa dos interesses sociais e não pode calar-se
diante da séria ameaça que se aproxima com a possível aprovação do projeto da forma como hoje se apresenta.
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO, 51, é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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