São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

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Defesa da experimentação ética com animais

CÁSSIO XAVIER DE MENDONÇA JÚNIOR, ANGELO JOÃO STOPIGLIA e MARIA LÚCIA ZAIDAN DAGLI


É impossível substituir ou criar artificialmente a complexidade de um organismo e suas inúmeras inter-relações fisiológicas


QUEM JÁ estudou história da ciência sabe que seu progresso se deveu, inicialmente, à observação de fenômenos naturais e, posteriormente, à experimentação.
Claude Bernard, pai da fisiologia moderna, que viveu na França no século 19, foi o responsável por descobertas revolucionárias para o entendimento dos princípios fundamentais da vida orgânica, os quais continuam válidos até hoje. Bernard, autor de "Introdução ao Estudo da Medicina Experimental" (1865), foi influente por muitas e muitas décadas.
A evolução observada no campo das ciências médicas e biológicas teve avanços, principalmente no século 20, devido, entre outros motivos, aos trabalhos de natureza experimental com animais vivos, como os ensaios cirúrgicos para padronização dos transplantes de órgãos, a produção de vacinas e de soros, que salvam vidas humanas, e os testes de novos e eficientes fármacos para o tratamento de diversas enfermidades, com menos efeitos indesejáveis.
É importante enfatizar que os estudos experimentais vêm sendo controlados e normatizados, nas últimas décadas, pelas comissões de bioética nas instituições que realizam pesquisas com animais. Essas comissões avaliam os procedimentos experimentais e permitem a utilização de animais apenas quando não se dispõe de métodos alternativos, desautorizam quaisquer práticas que causem sofrimento a animais vivos e proclamam a utilização do menor número possível de animais.
É fato que não se pode abrir mão, ainda, da experimentação com animais no campo das ciências biológicas. É impossível substituir ou criar artificialmente a complexidade de um organismo como um todo e as inúmeras inter-relações fisiológicas nele existentes. Assim, testes em cultivos celulares precisam ser validados em seres vivos.
Existem grupos que criticam a experimentação com animais. Movimentos nesse sentido têm suscitado a apresentação de projetos de lei que visam a normatização do emprego dos animais para ensino e pesquisa (lei nº 11.977, de 25/8/2005, que institui o Código de Proteção aos Animais do Estado de São Paulo e dá outras providências). Tal lei se encontra, no momento, no Supremo Tribunal Federal, com pedido de ação direta de inconstitucionalidade.
Recentemente, foi proposto o projeto de lei nº 254, de maio de 2006, que altera a lei ora citada e prevê, em seu artigo 1º, a modificação do artigo 23 da lei nº 11.977, propondo a seguinte redação: "Fica proibida, no âmbito do Estado de São Paulo, a vivissecção, assim como o uso de animais em quaisquer práticas experimentais, sejam estas com finalidades pedagógicas, industriais, comerciais ou de pesquisa científica".
A precariedade do projeto preocupa a comunidade científica, mobilizando-a em discussões. A conseqüência seria a estagnação do desenvolvimento das ciências da vida e o prejuízo à pesquisa em nosso Estado, um dos mais produtivos da União e que tão bem representa o país na comunidade científica mundial.
Preocupa-nos, ainda, a citação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ/USP) em um parágrafo da justificativa do referido projeto de lei. A respeito de tal citação, a Congregação da FMVZ/USP redigiu e aprovou um manifesto, encaminhado à magnífica reitora da USP, professora doutora Suely Vilela, posicionando-se "a favor da difusão do conceito de bem-estar animal e ciente de que a pesquisa não pode prescindir, no momento, da experimentação com animais vivos" (o teor do manifesto, na íntegra, encontra-se em www.fmvz.usp.br/index.php/site/mural/manifesto-da-congregacao).
Assim sendo, a FMVZ/USP reitera que preserva as boas práticas do bem-estar animal e os adequados procedimentos de experimentação com animais vivos e, portanto, não é conivente com o projeto de lei nº 254. Entende, também, que há a necessidade de continuidade da experimentação científica com animais vivos, sem deixar de lado os padrões éticos.
Concluindo, a experimentação com animais não pode prescindir do bem-estar animal e, realizada de forma ética, proporcionará o bem a toda a humanidade.

CÁSSIO XAVIER DE MENDONÇA JÚNIOR , 64, é diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.
ANGELO JOÃO STOPIGLIA , 53, é vice-diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP.
MARIA LÚCIA ZAIDAN DAGLI , 46, é professora titular da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e presidente da Comissão de Divulgação e Comunicação.


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