São Paulo, sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

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JOSÉ SARNEY

Beatriz

NO HÁBITO de ler diariamente os jornais do Amapá, dei de frente com uma história triste, que se torna bela pela carga de sentimento humano que encerra.
Uma menina, Beatriz, já com dois anos de idade, nasceu sem braços, sem pernas, sem mandíbula e com a boca fechada, sem as articulações. Sua mãe conseguiu mandar fazer uma abertura para possibilitar alimentá-la. Mora no município de Santana, num bairro de palafitas chamado Remédios, e é alvo de curiosidade pública. A casa, um tabuado coberto de telhas de amianto. Alguns irmãos, vegetando numa pobreza absoluta.
Tocados pelo desejo de ajudar, um casal de amigos meus, ela médica, foi visitá-la para verificar como podia ajudá-la. Na proximidade do Natal, levaram presentes de criança, latas de leite em pó e a alma aberta para oferecer à mãe geladeira, fogão, objetos de consumo durável para casa e mesmo dinheiro. Chocou-se com a cena ao olhar aquele pequeno ser humano marcado pela tragédia das deformações, talvez vitima de remédios tomados sem saber seu poder de causar danos durante a gestação.
A menina não ligou para os brinquedos e seus pequeninos antebraços envolveram a lata de leite em pó, tentando levá-la ao arremedo de boca, talvez deixando transparecer o que mais a afligia, a fome e a dificuldade de comer.
Minha amiga pediu à sua mãe que escolhesse as coisas que poderiam melhorar a vida da casa. Sua surpresa foi a resposta: "Não desejo nada. Nem geladeira nem dinheiro. Tenho tudo, inclusive esta filha que Deus me deu. Quero que a senhora, como médica, arranje uma boca para minha filha, um osso da face para que possa ser normal". Minha amiga insistiu para fazer-lhe a caridade de bens que são objeto de desejo de todos, principalmente das classes mais pobres.
Ela resistiu: "Não, não desejo nada. O dinheiro para mim não me ajuda nem eu preciso de nada".
O amor de mãe, o vínculo do ser que trouxe ao mundo, era mais forte do que as utilidades do cotidiano. E patética chorou: "Peça ao governo que arrume um hospital, um médico, um remédio para Beatriz.
Eu não lamento os defeitos que ela tem, é linda, uma graça que Deus me deu. Quero apenas que ela não sofra para comer".
Sabendo da existência de Beatriz, toquei-me com seu drama e ouvi dos meus amigos o que tinham feito. Ela agora está sendo assistida pelo Sarah, esse hospital exemplar que tanto faz pelo povo brasileiro.
Que o Natal traga um rasgo de esperança para essa mãe, cujo instinto de maternidade tudo supera, até os desígnios de Deus.

jose-sarney@uol.com.br


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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