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JOSÉ SARNEY
Beatriz
NO HÁBITO de ler diariamente os jornais do Amapá,
dei de frente com uma história triste, que se torna bela pela
carga de sentimento humano que
encerra.
Uma menina, Beatriz, já com
dois anos de idade, nasceu sem braços, sem pernas, sem mandíbula e
com a boca fechada, sem as articulações. Sua mãe conseguiu mandar
fazer uma abertura para possibilitar alimentá-la. Mora no município de Santana, num bairro de palafitas chamado Remédios, e é alvo
de curiosidade pública. A casa, um
tabuado coberto de telhas de
amianto. Alguns irmãos, vegetando numa pobreza absoluta.
Tocados pelo desejo de ajudar,
um casal de amigos meus, ela médica, foi visitá-la para verificar como podia ajudá-la. Na proximidade
do Natal, levaram presentes de
criança, latas de leite em pó e a alma aberta para oferecer à mãe geladeira, fogão, objetos de consumo
durável para casa e mesmo dinheiro. Chocou-se com a cena ao olhar
aquele pequeno ser humano marcado pela tragédia das deformações, talvez vitima de remédios tomados sem saber seu poder de causar danos durante a gestação.
A menina não ligou para os brinquedos e seus pequeninos antebraços envolveram a lata de leite em
pó, tentando levá-la ao arremedo
de boca, talvez deixando transparecer o que mais a afligia, a fome e a
dificuldade de comer.
Minha amiga pediu à sua mãe
que escolhesse as coisas que poderiam melhorar a vida da casa. Sua
surpresa foi a resposta: "Não desejo nada. Nem geladeira nem dinheiro. Tenho tudo, inclusive esta
filha que Deus me deu. Quero que a
senhora, como médica, arranje
uma boca para minha filha, um osso da face para que possa ser normal". Minha amiga insistiu para fazer-lhe a caridade de bens que são
objeto de desejo de todos, principalmente das classes mais pobres.
Ela resistiu: "Não, não desejo nada.
O dinheiro para mim não me ajuda
nem eu preciso de nada".
O amor de mãe, o vínculo do ser
que trouxe ao mundo, era mais forte do que as utilidades do cotidiano. E patética chorou: "Peça ao governo que arrume um hospital, um
médico, um remédio para Beatriz.
Eu não lamento os defeitos que ela
tem, é linda, uma graça que Deus
me deu. Quero apenas que ela não
sofra para comer".
Sabendo da existência de Beatriz, toquei-me com seu drama e
ouvi dos meus amigos o que tinham feito. Ela agora está sendo
assistida pelo Sarah, esse hospital
exemplar que tanto faz pelo povo
brasileiro.
Que o Natal traga um rasgo de esperança para essa mãe, cujo instinto de maternidade tudo supera, até
os desígnios de Deus.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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