São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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GUSTAVO PATÚ

O sexo do BC

BRASÍLIA - Não faz sentido pensar em conceder autonomia ao Banco Central, na forma de mandatos para seus dirigentes, antes de um consenso mínimo na classe política e na opinião pública em torno do papel que deve ser reservado à instituição, a mais poderosa do Executivo. O perigo é esse debate ficar parecido com os dos sábios da antiga Bizâncio, que, segundo a lenda, se dedicavam a discutir o sexo dos anjos.
Assumidamente ou não, os defensores da autonomia advogam um BC destinado apenas ao controle da moeda e, olhe lá, à fiscalização do sistema financeiro. Recebe-se uma meta de inflação, calculam-se os juros necessários, apertam-se os devidos botões. De quando em quando, publicam-se previsões e estatísticas. Nada mais. Seria um BC, digamos assim, assexuado.
Ninguém imagina que um governo vá delegar a um órgão autônomo decisões como a elaboração de planos econômicos, a cotação do dólar adequada para a balança comercial, o volume de recursos da poupança a ser destinado à habitação e ao setor agrícola. Espera-se, na verdade, que tudo isso suma da pauta.
Aqui e agora, temos um BC metido em todos esses assuntos, com a exceção momentânea dos planos econômicos (mas alguém duvida dessa possibilidade?), e um governo que ainda não sabe ao certo o que fazer com eles -agora, por exemplo, trocou-se o discurso do câmbio livre pela decisão de intervir no mercado. Ao mesmo tempo, repete-se a tese da autonomia e da missão exclusiva do controle da inflação.
Não por acaso, a cantilena já dura mais de dez anos. Itamar Franco mandou tirar a independência do BC (na época não era usada a eufemística autonomia) das medidas do Plano Real. FHC deixou Pedro Malan defender a proposta, mas, de prático, o que fez foi nomear nada menos que cinco presidentes do BC. E Lula mostrou, ao derrubar o presidente da Anatel, que mandatos não bastam para proteger um tecnocrata se o poder político não vai com a sua cara.


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