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GUSTAVO PATÚ
O sexo do BC
BRASÍLIA - Não faz sentido pensar em conceder autonomia ao Banco
Central, na forma de mandatos para
seus dirigentes, antes de um consenso
mínimo na classe política e na opinião pública em torno do papel que
deve ser reservado à instituição, a
mais poderosa do Executivo. O perigo
é esse debate ficar parecido com os
dos sábios da antiga Bizâncio, que,
segundo a lenda, se dedicavam a discutir o sexo dos anjos.
Assumidamente ou não, os defensores da autonomia advogam um BC
destinado apenas ao controle da
moeda e, olhe lá, à fiscalização do sistema financeiro. Recebe-se uma meta de inflação, calculam-se os juros
necessários, apertam-se os devidos
botões. De quando em quando, publicam-se previsões e estatísticas. Nada mais. Seria um BC, digamos assim, assexuado.
Ninguém imagina que um governo
vá delegar a um órgão autônomo decisões como a elaboração de planos
econômicos, a cotação do dólar adequada para a balança comercial, o
volume de recursos da poupança a
ser destinado à habitação e ao setor
agrícola. Espera-se, na verdade, que
tudo isso suma da pauta.
Aqui e agora, temos um BC metido
em todos esses assuntos, com a exceção momentânea dos planos econômicos (mas alguém duvida dessa
possibilidade?), e um governo que
ainda não sabe ao certo o que fazer
com eles -agora, por exemplo, trocou-se o discurso do câmbio livre pela
decisão de intervir no mercado. Ao
mesmo tempo, repete-se a tese da autonomia e da missão exclusiva do
controle da inflação.
Não por acaso, a cantilena já dura
mais de dez anos. Itamar Franco
mandou tirar a independência do BC
(na época não era usada a eufemística autonomia) das medidas do Plano
Real. FHC deixou Pedro Malan defender a proposta, mas, de prático, o
que fez foi nomear nada menos que
cinco presidentes do BC. E Lula mostrou, ao derrubar o presidente da
Anatel, que mandatos não bastam
para proteger um tecnocrata se o poder político não vai com a sua cara.
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