São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Dona Kyola

RIO DE JANEIRO - Alguns leitores sempre me perguntam por que escrevo tanto sobre o pai, fazendo dele um personagem recorrente de meus textos, e quase nunca falo da mãe. Em geral, pelo menos no ocidente, o culto à mãe é um dos clichês mais sovados, enquanto os pais, dos trágicos gregos a Shakespeare, Kafka e Faulkner, funcionam como sacos de pancada dos filhos -que somos todos nós.
Não posso nem quero falar pelos outros, falo por mim mesmo. Mãe é o único valor absoluto que temos -e não importa que mãe seja ela, nem importa se somos santos ou pecadores, mocinhos ou bandidos, se valemos alguma coisa ou nada valemos.
É um mistério a relação do filho com a mãe -sem nenhuma alusão aos complexos que um desnaturado Freud divulgou por aí, estigmatizando a simplicidade da relação que um filho tem pela mãe e a mãe pelo filho.
Sou de opinião -se é que tenho alguma opinião- de que nunca falamos realmente aquilo que é mais importante para nós. Aprendemos que a palavra -que foi negada aos nossos irmãos animais- serve para esta coisa maravilhosa que é esconder o pensamento.
Quando perdi minha mãe, descobri que o mundo começava de fato para mim. Tudo estava vazio, sem sentido, olhava o céu, as árvores, as pessoas, ouvia músicas e sentia cheiros, mas tudo era diferente. Nem pior nem melhor do que antes. Apenas diferente. Tudo o que acontecesse -ou se nada acontecesse- daria no mesmo.
Não sou exemplo de nada, muito menos de bom sujeito. Mas quando sei que alguém perde a mãe, sinto-me órfão de novo. É um enigma que nunca decifrarei. Enquanto ela vive, somos filhos dela, cada um tem a sua mãe. Mas na orfandade descobrimos que somos todos irmãos.


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