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CARLOS HEITOR CONY
Dona Kyola
RIO DE JANEIRO - Alguns leitores sempre me perguntam por que escrevo tanto sobre o pai, fazendo dele um
personagem recorrente de meus textos, e quase nunca falo da mãe. Em
geral, pelo menos no ocidente, o culto
à mãe é um dos clichês mais sovados,
enquanto os pais, dos trágicos gregos
a Shakespeare, Kafka e Faulkner,
funcionam como sacos de pancada
dos filhos -que somos todos nós.
Não posso nem quero falar pelos
outros, falo por mim mesmo. Mãe é o
único valor absoluto que temos -e
não importa que mãe seja ela, nem
importa se somos santos ou pecadores, mocinhos ou bandidos, se valemos alguma coisa ou nada valemos.
É um mistério a relação do filho
com a mãe -sem nenhuma alusão
aos complexos que um desnaturado
Freud divulgou por aí, estigmatizando a simplicidade da relação que um
filho tem pela mãe e a mãe pelo filho.
Sou de opinião -se é que tenho alguma opinião- de que nunca falamos realmente aquilo que é mais importante para nós. Aprendemos que
a palavra -que foi negada aos nossos irmãos animais- serve para esta
coisa maravilhosa que é esconder o
pensamento.
Quando perdi minha mãe, descobri
que o mundo começava de fato para
mim. Tudo estava vazio, sem sentido,
olhava o céu, as árvores, as pessoas,
ouvia músicas e sentia cheiros, mas
tudo era diferente. Nem pior nem
melhor do que antes. Apenas diferente. Tudo o que acontecesse -ou se
nada acontecesse- daria no mesmo.
Não sou exemplo de nada, muito
menos de bom sujeito. Mas quando
sei que alguém perde a mãe, sinto-me
órfão de novo. É um enigma que
nunca decifrarei. Enquanto ela vive,
somos filhos dela, cada um tem a sua
mãe. Mas na orfandade descobrimos
que somos todos irmãos.
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