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JOSÉ SERRA
O arrocho social
Dos comentários que expressei
nesta coluna na semana passada,
o que mais surpreendeu alguns leitores foi minha preocupação com a possibilidade de um retrocesso social no
Brasil a partir do governo do PT. Seria
exagero de minha parte?
Infelizmente, não. Comecemos pelas condições de emprego e renda. Em
2003 (até novembro) o número de desempregados nas principais regiões
metropolitanas aumentou 17% e o
rendimento médio das pessoas ocupadas caiu 13%. Note-se que não houve nenhuma crise internacional por
trás desses resultados. Pelo contrário,
a conjuntura econômica internacional
foi altamente favorável ao Brasil em
2003, com os preços de nossas exportações em alta, a demanda dinâmica,
os juros internacionais no chão, o FMI
bonzinho. O que houve foi a combinação entre o discurso voluntarista do
PT no passado, com seus efeitos negativos sobre as expectativas (essa, sim, a
herança negativa), e uma política econômico-financeira de aprendizes de
feiticeiro -nenhuma inovação e excesso de dose nos impostos e nos juros, o que puxou a economia para baixo e ampliou a instabilidade fiscal.
"Dosis facit venenum", advertia meu
grande professor de latim quando a
classe exagerava na folia.
O retrocesso na política econômico-financeira estendeu-se às políticas sociais. Dos recursos aprovados para saneamento básico, no âmbito da Funasa, apenas R$ 1 em cada R$ 15 foi gasto
até novembro. Manobras orçamentárias pouco ortodoxas provocaram
perda de pelo menos R$ 500 milhões
do Ministério da Saúde. E houve uma
guinada perversa: esse ministério e o
da Educação passaram a ser vítimas
de contingenciamentos, mudando-se
a prática, que já vinha se consolidando no governo FHC, de preservá-los
de medidas desse tipo.
Ocorreu também a tentativa de um
truque inconstitucional para cortar
cerca de R$ 3,5 bilhões do Orçamento
da Saúde para 2004, abortada pela
mobilização de forças políticas e da
sociedade.
Enquanto isso, exibia-se para o Brasil e para o mundo a sedução do Fome
Zero, um programa que já mudou
muitas vezes e que ainda não se sabe o
que é. Suas ações nem sequer estão
carimbadas no Orçamento, o que inviabiliza o acompanhamento do repasse de recursos. Até agora, o principal efeito do Fome Zero parece ter sido estatístico. Durante a campanha
eleitoral, o PT afirmava que havia 50
milhões de famintos no Brasil. Chegando ao governo, esse número foi
prontamente reestimado para 25 milhões.
Paralelamente, renasciam velhos
projetos como o da distribuição de
leite, focos de manipulação eleitoral e
corrupção no passado. Outras medidas, apresentadas como inovações, ou
não saíram do papel, como a do Primeiro Emprego, ou são a simples consolidação dos programas de transferência de renda herdados (bendita herança!) do governo Fernando Henrique, como o Bolsa-Família, que juntará o Bolsa-Escola, o Bolsa-Alimentação e o Auxílio-Gás. Apresentado como algo novo e redentor, enganando
jornalistas estrangeiros, não acrescenta recursos e se baseia no cadastro
único iniciado pelo governo anterior.
Por último, o mais grave: os cortes
na área social tiveram e têm um impacto insignificante do ponto de vista
das contas públicas. O efeito dessas
reduções é psicológico junto à comunidade financeira internacional, valorizando a seus olhos o governo Lula.
Ouve-se nesses círculos, surpresos
com a dureza dos cortes: "They just
did. How tough they are!". Ou seja:
"Puxa! Eles fizeram. Como são durões!".
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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