São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

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Bloco da parolagem

Instituições do Mercosul derretem a olhos vistos enquanto Hugo Chávez desfila sua pantomima nas reuniões de cúpula

A ÁSIA é o continente em que as interações comerciais e de investimentos avançam com maior velocidade já há um bom tempo. Isso ocorre apesar das relações diplomáticas complicadíssimas entre as potências regionais -basta pensar nas divergências entre Tóquio e Pequim.
Na América do Sul acontece o contrário. Aqui se repetem à exaustão enfadonhos encontros de cúpula em que os líderes juram amizade recíproca e discorrem sobre as virtudes da cooperação. Apesar do clima amistoso, os governos promovem políticas inconciliáveis entre si, as instituições intra-regionais não funcionam e as interações econômicas acabam muito prejudicadas.
Enquanto Hugo Chávez dava mais um show de demagogia "bolivariana" no Rio, seus diplomatas atacavam a declaração final da reunião de cúpula do Mercosul, conforme o jornal "Valor". Que vantagem traz a presença da Venezuela chavista no bloco se nem sequer uma diretriz histórica do Mercosul -a liberalização do comércio agrícola- pode ser expressa sem dificuldades numa nota protocolar?
O mínimo a esperar de um bloco econômico é a prevalência de regras uniformes dando garantia a investidores. É óbvio que empresas privadas hesitarão em investir na região quando Bolívia e Venezuela estatizam setores inteiros da economia. Agregue-se o tema democracia -condição para um país filiar-se ao bloco do Cone Sul-, e os problemas aumentam. Chávez persegue a imprensa oposicionista e agora governará por decreto, tudo sob o beneplácito do governo Lula.
O Mercosul, porém, não está em crise devido às incongruências dos novos entrantes -esse é apenas o aspecto alegórico da sua decadência. A fissura, mais profunda, está localizada no núcleo da associação.
A disputa entre Argentina e Uruguai sobre fábricas de celulose fronteiriças foi parar na Corte de Haia. Uma questiúncula a respeito de invólucros de refrigerantes entre Brasil e Argentina foi entregue à OMC. Paraguai e Uruguai estão sedentos para fazer seus próprios acordos internacionais de comércio, por fora do Mercosul. Trata-se de um quadro avançado de derretimento das ligas político-institucionais na associação regional.
Seria o momento de abandonar o quimérico projeto da união aduaneira -no qual Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai funcionariam como uma só nação nas relações econômicas com outros blocos ou países. Seria mais factível trabalhar dentro do paradigma de uma associação de livre comércio (tarifa zero entre os associados) com instituições de arbitragem de conflitos prestigiadas. Do bloco para fora, cada membro teria a liberdade de buscar o que julgasse melhor.
É decepcionante constatar que a readequação da política regional à realidade econômica tem sido solenemente desprezada -pelo Brasil, em primeiro lugar. Não é à toa que Chávez rouba a cena nas cúpulas. Nem união aduaneira, nem associação de livre comércio, o Mercosul vai degenerando num clube de falastrões, no bloco da parolagem.


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