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CARLOS HEITOR CONY
Deus e os homens
RIO DE JANEIRO - Na crônica de
domingo, lembrei a exaltação de
Voltaire quando soube do terremoto em Lisboa, em 1755. Ele contestava e questionava a existência de
Deus, a sua justiça, a sua bondade.Afinal, os homens se encarregam de
produzir as suas próprias tragédias,
mas, no caso de um abalo como o do
Haiti, eles são vítimas da fúria de
uma natureza ensandecida. É, queiramos ou não, uma obra de Deus.
Para punir, para alertar, para que
tomemos conhecimento de seus insondáveis desígnios? Não importa.
O desastre seria assim o alerta de
um Deus aborrecido com os nossos
pecados, em especial com os pecados de uma população que vive em
estado de permanente miséria? Nada que lembre a chuva de fogo que
varreu Sodoma e Gomorra, onde,
segundo as escrituras, havia motivos para o castigo.
Bem, o pior parece que já passou
no Haiti, a obra de Deus foi consumada. Resta agora a obra dos homens, e já temos os conflitos e confrontos da humanidade restante,
inclusive a dos países que, num
gesto de comoção, enviaram
reforços e mantimentos para os
sobreviventes.
Com o seu poder militar e financeiro, os Estados Unidos colocaram-se numa posição de feitor da
tragédia, alegando a quantidade e a
qualidade de seus esforços para minorar a tragédia dos haitianos. A
atitude de Washington melindrou
outros países, inclusive o Brasil,
que ali já está há tempos, em missão
internacional de paz apoiada pela
ONU. O velado confronto para saber quem é mais solidário e eficiente começa a provocar os desentendimentos que ampliam a tragédia
natural, contra a qual nada podia
ser feito.
Mas as picuinhas, as vaidades e,
sobretudo, a truculência na distribuição de reforços e no policiamento de uma sociedade sem a estrutura de um Estado estão sendo obra
dos homens.
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