UOL




São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO DELFIM NETTO

Econometria e "achismo"

O professor Dionísio Dias Carneiro publica mensalmente a "Carta Econômica Galanto", em que analisa os problemas brasileiros com competência e objetividade. O que tenta, mensalmente, é dar uma estrutura óssea palpável à teoria econômica utilizando os dados da realidade brasileira. Todos sabemos que a utilização de técnicas econométricas é sempre praguejada de problemas metodológicos, mas, mesmo assim, é sempre mais útil e melhor utilizá-las em lugar do puro "achismo", que é a praga que assalta alguns analistas. Uma coisa é afirmar apoditicamente que as variações da taxa Selic não têm nada a ver com as taxas de inflação futura e, com "natural auto-suficiência científica" -amplamente reconhecida-, dispensar a necessidade de qualquer prova. Outra coisa bem diferente é tentar verificar seriamente se os dados da realidade brasileira são compatíveis com tal assertiva.
No número de janeiro de 2003 da "Carta Econômica Galanto", o professor Dionísio e o excelente economista Thomas Wu enfrentam o problema da utilização da taxa de juros Selic para o controle da demanda global da economia e, consequentemente, da taxa de inflação futura. Utilizam um modelo extremamente simples. Teoricamente, as manobras da taxa Selic são feitas para modificar a taxa de juro real, que se obtém dividindo a taxa Selic pela "expectativa" de inflação. É a variação da taxa de juro real que modifica a disposição dos consumidores e dos investidores. A modificação da demanda global (a taxa de variação do PIB) é, assim, ligada, pela variação do consumo e do investimento, à taxa de juro real. Quanto maior (menor) a taxa de juro real, menor (maior) a taxa de crescimento do PIB.
A estratégia de Dias Carneiro e Wu para "medir" esse efeito foi construir uma série do crescimento trimestral do PIB (1995:1 a 2002:4) e tentar "explicá-lo" usando o crescimento do PIB nos dois trimestres anteriores, a taxa de juro real no trimestre anterior e uma engenhosa variável que sugere como se movem as expectativas quando se altera a taxa de juro real. Eles deram a essa variável o valor um nos trimestres em que o juro real aumentou e zero nos trimestres em que a taxa de juro real diminuiu.
Tomando as 32 observações dos dados trimestrais do PIB, chegaram à conclusão de que, com aquelas quatro variáveis, se pode explicar três quartos dos resultados, indicando claramente que existe uma relação entre elas. Um dos resultados mais interessantes é que a variável "engenhosa" mostra que, quando a taxa de juro real aumenta (não importa quanto) no trimestre, isso reduz em 1,3% a taxa de crescimento trimestral esperada do PIB. O efeito da variação de 1% do juro real num trimestre é o de reduzir em 0,5% o crescimento do PIB no trimestre seguinte.
O estudo confirma a importante sinalização das modificações na taxa de juro real sobre as "expectativas" de consumidores e de investidores -mesmo quando elas são relativamente pequenas. Esse resultado dá significado ao aumento tão criticado de 0,5% na taxa Selic em janeiro. Como todo trabalho econométrico, este também tem suas dificuldades, mas é impossível deixar de reconhecer que ele é bem melhor do que o "achismo", tão em voga entre nós.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Bombas & bombas
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.