UOL




São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Ciência e tecnologia para a vida

ROBERTO AMARAL

Por que perdemos tanto tempo?
Em 1975, a renda per capita brasileira era o dobro da coreana. Nosso PIB era quatro vezes superior ao da Coréia do Sul. No entanto, em 2001, o PIB per capita coreano já era 2,5 vezes maior do que o brasileiro. Como explicar? Parte da explicação está neste fato objetivo: enquanto a Coréia investe, há 20 anos, 3% de seu PIB em ciência e tecnologia, só agora estamos investindo 1%! Seguidos governos ignoraram que a nova economia havia deslocado o eixo do desenvolvimento dos setores tradicionais para aqueles de emprego intensivo de conhecimento e tecnologia.
O desafio do governo do presidente Lula é inserir o Brasil na sociedade do conhecimento. Nessa perspectiva, a política estratégica do Ministério da Ciência e Tecnologia deixa de ser uma categoria em si para se justificar tão-só pelo seu valor fundamental: o humanismo. Assim, estará voltada para o fomento da pesquisa científica e para a inovação tecnológica, visando ao desenvolvimento a serviço da melhoria da qualidade de vida de nossa população. Qualquer projeto honesto de cidadania e melhoria de qualidade de vida tem como base a geração de emprego. E não se pode falar seriamente nem em desenvolvimento nem em crescimento se um e outro não têm como essência, alicerce insubstituível, os avanços científicos e tecnológicos. Essa é a chave da competitividade, do progresso e da soberania.
Mas ainda não é tudo. O atraso em que nos encontramos impõe-nos a tarefa dupla de romper com o ontem e antecipar o futuro, preparando, desde agora, a formação de cientistas para os desafios que o progresso humano nos reserva para os próximos 15 ou 20 anos. Para alcançar esse objetivo, uma de nossas iniciativas é a articulação universidades/institutos de pesquisa com os governos estaduais (e eventualmente prefeituras) e o empresariado.
Se ciência, tecnologia e inovação constituem a essência de qualquer projeto contemporâneo de nação, como elementos básicos para o desenvolvimento sustentável, somente o esforço concentrado de todos os agentes, por anos e décadas, poderá superar os dois desafios que se opõem a essa política, de médio e longo prazos: 1) a limitação de recursos, agravada pelo quadro calamitoso das contas nacionais legada pela era FHC; 2) o atraso relativo do país, especialmente na área da inovação tecnológica, que nos cobra a necessidade de crescer mais rapidamente para encurtar a distância que nos separa dos países desenvolvidos. Precisamos consertar esse avião em pleno vôo.


Não há crescimento ou desenvolvimento se estes não têm como essência, como alicerce, os avanços científicos e tecnológicos


O desenvolvimento científico está sendo orientado por uma nova política de bolsas do CNPq e pela universidade, prestigiada, reaparelhada, com seus professores, mestres, doutores e pesquisadores corretamente amparados e estimulados. Não se pode esquecer, evidentemente, os centros de excelência em ciência e tecnologia. E é preciso também incorporar nesse processo as universidades e centros de ensino superior privados. Enfim, para atender à demanda por novos cientistas, rompemos com políticas conservadoras, que congelaram as bolsas destinadas à pesquisa, com seus valores intocados havia sete anos. Além disso, elas estavam praticamente fechadas para jovens que saem da pós-graduação. Informação da Andifes revela que é de 45 anos a média de doutores bolsistas do CNPq.
A determinação do presidente da República não é só oferecer mais bolsas mas também revisar seus valores com o MEC. Até o final do governo do presidente Lula, estaremos formando ao menos 10 mil doutores por ano, contra os 6.000 atuais. E isso não apenas multiplicando a formação tradicional e, em vários casos, já superada, mas pensando nos desafios das novas profissões que o futuro exige para o desenvolvimento científico e tecnológico de todas as regiões. Com estes objetivos estarão unidos o MCT e o MEC, o CNPq e a Capes.
A esse esforço do poder público terá de associar-se a iniciativa privada, investindo em inovação, absorvendo e produzindo novas tecnologias, abrindo mercado para nossos cientistas. Não podemos continuar aqui com uma realidade invertida em relação aos países desenvolvidos, com o poder público arcando com 80% dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Só com uma parceria sem preconceitos poderemos alterar essa relação e melhorar a qualidade dos bens e serviços, aumentando nossa competitividade, substituindo importações e agregando valor a todos os itens de nossa pauta de exportações, inclusive de produtos agrícolas.
É preciso ficar claro que não se trata de retomar as cansadas políticas de incentivos fiscais ou de reserva de mercado que cevaram a construção de cartéis de atraso. O que propomos é um conjunto de ações para melhorar a qualidade da produção nacional, aumentar sua competitividade e suprir o país com produtos, bens e insumos que hoje importamos e que poderiam ser produzidos aqui, economizando divisas, gerando empregos, movimentando a economia. É o caso, por exemplo, da indústria aeroespacial e da microeletrônica. Esta foi responsável, em 2002, por um rombo de US$ 8 bilhões em nossa balança de pagamentos.


Até o final do governo do presidente Lula, formaremos ao menos 10 mil doutores por ano, contra os 6.000 atuais


Para contribuir nesse processo, a Finep -reorganizada, recuperada, recapitalizada- voltará a apoiar, preferencialmente, as pequenas e médias empresas de base tecnológica. Os fundos setoriais do MCT, após a democratização de sua gestão, para assegurar transparência, desempenharão papel fundamental. Nesse sentido, a política de editais deverá ser revista para assegurar a participação dos Estados, a justa distribuição nacional de recursos e a possibilidade real de disputa por todos os segmentos da ciência brasileira. Dada a importância disso, que não cabe mais demonstrar, estamos criando, na estrutura do MCT, para reforçar o que já existe, uma coordenação específica para os estudos relativos à Amazônia e ao Nordeste, onde, ainda neste ano, instalaremos o Instituto Nacional do Semi-Árido. Temos certeza de que o BNDES e os bancos de fomento regionais estarão associados a esse projeto de desenvolvimento autônomo.
Para enfocar apenas uma área, entre várias da ciência e tecnologia que contribuem para alcançar esses objetivos, destacamos a informática, espinha dorsal de qualquer projeto contemporâneo de desenvolvimento científico e tecnológico. Para enfrentar os desafios, já fortalecemos a estrutura da antiga Sepin, que agora incorpora as políticas tecnológicas e industriais que devem ser desenvolvidas articuladamente. Também criamos uma subsecretaria adjunta de informática. Junto à nova Sepin funcionará ainda um comitê consultivo, integrado por agentes da sociedade civil e representantes dos setores que atuam na produção de software e de hardware, sem contar a reativação do Conselho Nacional de Informática e Automação, que vinha funcionando precariamente. Além disso, os fundos setoriais, particularmente o Verde e Amarelo, serão vinculados à nova estrutura. O Ibict (Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica) também será reestruturado, voltando-se para o fomento da pesquisa em informática. Entre outras ações de cooperação internacional, pretendemos efetivar com o governo alemão a internet 2, a rede de alta velocidade entre a Rede Nacional de Pesquisa e a rede alemã, Deutsche Forschungsnetz.
Tudo isso porque o projeto de desenvolvimento não pode ser isolado. Temos que superar a timidez colonial, que às vezes coloniza ideologicamente parte da elite, e assumir na América do Sul o papel que nossos irmãos nos cobram, ajudando-os no desenvolvimento científico e tecnológico, inclusive na formação de pesquisadores, mestres e doutores. O mesmo podemos dizer dos povos irmãos da África, arrasada pela fome e pela Aids. Tudo sem afetar o fortalecimento de nosso intercâmbio tradicional com países como os Estados Unidos e a França ou sem deixar de ampliar a cooperação com países como a Ucrânia, a China, a Rússia e a Índia.
No final do mandato do presidente Lula, como ele deseja, o Brasil estará aplicando pelo menos 2% do PIB na área de CT&I, com os esforços do poder público e da área privada. Só assim poderemos recuperar o tempo perdido, ampliando e distribuindo renda para romper com a lógica cruel de um país rico com uma população pobre. Ou seja, o grande desafio do MCT é trabalhar o passado e o presente. Atualizar a pesquisa, o conhecimento científico, tecnológico e a inovação e, ao mesmo tempo, antecipar as sendas que deveremos percorrer amanhã, para que nossos sucessores não tenham de lamentar, como nós agora, tanto tempo perdido.

Roberto Amaral, 62, cientista político e professor da PUC-Rio, é ministro da Ciência e Tecnologia.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.