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São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

O Brasil que ruge

Enquanto o Brasil se diverte transformando em esporte nacional a exigência de que o governo Lula "mude já" a política macroeconômica do país, o Chile assinou, no dia 11 de dezembro passado, mais um tratado de livre comércio, desta vez com os EUA. Ele elimina tarifas, reduz as barreiras aos serviços, protege a propriedade intelectual, bem como sugere avanços na regulação financeira e o estabelecimento de padrões para a legislação trabalhista e ambiental. O Chile já fez o mesmo com o Canadá, com o México, com a União Econômica Européia e com a Coréia do Sul. Hoje cerca de 50% de suas exportações se destinam a países com os quais tem tratamento preferencial.
A combinação insólita daquelas duas proposições destina-se a chamar a atenção dos leitores para os perigos implícitos na sugestão de jacobinos e adversários do governo ao exigir a "mudança já do modelo econômico de FHC", que foram claramente intuídos pela professor Marilena Chauí em debate na USP. Há três erros capitais naquela sugestão: 1º) a atual política macroeconômica está longe de ter sido inventada por FHC: ela é a mesma utilizada há mais de uma década, com relativo sucesso, por quase uma centena de países; 2º) as condições iniciais do governo Lula estão determinadas pela imensa vulnerabilidade externa e pela oscilante sustentabilidade da dívida interna construídas no governo FHC e que lhe retiram graus de liberdade; 3º) todo mundo quer "mudar", mas ninguém sabe o endereço para onde levar a "mudança". Não adianta imaginar que podemos resolver nosso problema com a mágica elementar de baixar os juros, porque, como todos deveriam saber, "as consequências vêm depois"...
Por mais inconformados e tristes que fiquemos, não há como escapar da tragédia aritmética imposta pela igualdade da taxa de juro real interna e externa exigida pela insuperável necessidade de continuar a obter financiamento para manter a economia funcionando. Ela se expressa, aritmeticamente, assim:




A taxa de juro externa é dada (4% ou 5%) e o risco Brasil é hoje da ordem de 11% a 12%. Sua redução depende de completarmos as reformas previdenciária e tributária e a autonomia operacional do Banco Central etc. A expectativa de desvalorização cambial deve acalmar-se com a redução do déficit em conta corrente e com a queda da aversão ao risco, que depende de nós e do mundo. Aí está o que jacobinos e "mudancistas" deveriam estar pedindo, se desejam, de fato, a redução dos juros e o sucesso do Brasil e do governo Lula.
Mas por que a referência ao Chile? Primeiro, para ter como começar o artigo. Segundo, para dar o exemplo de um país que segue há 20 anos a "política econômica inventada por FHC" e está colhendo os melhores frutos. Terceiro, para chamar a atenção para o fato de que os EUA parecem estar comendo pelas beiradas o Brasil que ruge, dos jacobinos e da CNBB... O México (de fato) e o Chile (praticamente) já estão incorporados ao Nafta. Agora se analisa um acordo de livre comércio dos EUA com mais cinco países da América Central, que receberão até mesmo auxílio financeiro.
Temos de pensar seriamente. Estamos sendo isolados no processo comercial e, se alguma extravagância mudancista nos afastar do mercado financeiro antes de estarmos preparados, vamos amargar mais uma década perdida. E o "paz e amor" correrá o risco de transformar-se em "guerra e ódio". O que pode e deve mudar é a política microeconômica.

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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