São Paulo, segunda-feira, 19 de março de 2007 |
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Enchentes urbanas: é possível evitá-las
ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS
AO CONTRÁRIO do que ingênua ou comodamente boa parte de nossas autoridades públicas metropolitanas têm por hábito nessa época declarar, as enchentes urbanas não são fenômenos inevitáveis, e muito menos inexoráveis desígnios de Deus e da natureza. As cidades são as maiores intervenções do homem no meio físico natural. Essas intervenções interferem nos processos hidrológicos preexistentes, desorganizam-nos e alteram sua dinâmica. Essa conturbada interação cidade X meio físico natural gera uma série de conseqüências que, para não se transformarem em graves problemas para a sociedade, precisam ser conhecidas, equacionadas e solucionadas. Em resumo, a boa engenharia pode resolver os problemas que ela própria cria. Determinada por suas características urbanas e pela característica de seu meio físico natural, a equação das enchentes na metrópole paulistana pode assim ser expressa: "Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada por sua dificuldade em dar bom e rápido escoamento às suas águas superficiais". Essa equação, para um exitoso enfrentamento das enchentes, sugere um elenco de ações, mas, especialmente, três frentes concomitantes e complementares de trabalho. 1) Aumento da capacidade de vazão das drenagens naturais e construídas (bueiros, galerias, córregos, rios), por meio de sua ampliação (como no caso do Tietê) e de seu constante desassoreamento e limpeza. 2) Drástica redução dos processos erosivos que ocorrem especialmente na zona periférica de expansão urbana e do lançamento irregular de entulho da construção civil e do lixo urbano. A erosão implica hoje o aporte de mais de 3,5 milhões de metros cúbicos anuais de sedimentos para o interior de córregos e rios, reduzindo em muito sua capacidade de vazão (até hoje as administrações públicas têm unicamente agido sobre as conseqüências da erosão e do lançamento irregular do lixo e do entulho por meio do bilionário e interminável desassoreamento dos rios, sendo desde há muito preciso trabalhar sobre as causas, sobre as áreas-fonte dos sedimentos e dos resíduos urbanos). 3) Aumento da capacidade de retenção superficial e subsuperficial das águas de chuva, evitando que elas cheguem tão rapidamente e em grande volume às drenagens, medida de implementação essencial, mas que não deve continuar a ser proporcionada por meio dos deletérios piscinões (hoje vendidos como a panacéia para todos os males, mas geradores de graves problemas para as comunidades de entorno). A maior retenção de águas de chuva pode ser alternativamente conseguida pela soma de uma série de medidas de fácil execução, como pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais, calçadas, valetas, sarjetas, tubulações e pátios drenantes, poços e trincheiras de infiltração, parques lineares, intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados (uma área florestada tem a capacidade de reter até 80% do pico de uma chuva intensa). Para a implementação desse conjunto de medidas técnicas, há uma elementar necessidade no campo da gestão: a perfeita articulação entre as administrações públicas estaduais e municipais na metrópole paulistana, uma vez que hoje, incompreensivelmente, são instâncias que não se comunicam e não somam esforços. Há, sim, solução para as enchentes metropolitanas, ao menos para torná-las episódios que ocorram em pequena dimensão e em espaços de tempo de algumas décadas. Faltam apenas uma maior responsabilidade pública e uma salutar dose de respeito à população. ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática". Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Orlando Silva - Pan 2007: ganha o Rio, ganha o Brasil Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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