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Política travada
Abuso das medidas provisórias deve ser combatido, mas no âmbito de uma reforma na Constituição
PARALISIA total de um quadril: R$ 2.700,00. Paralisia de um cotovelo: R$
3.375,00. Perda da visão
de um olho: R$ 4.050,00. Com
seus detalhes macabros, a tabela
está sob análise na Câmara dos
Deputados. Refere-se às indenizações no seguro obrigatório de
acidentes de trânsito e consta de
uma medida provisória enviada
pelo governo no final de 2008.
A MP 451 dispõe dos temas
mais diversos. Trata, entre outras coisas, de mudanças no Imposto de Renda (rebaixa-se a alíquota mínima, de 15% para 7,5%,
para quem ganha até R$ 2.150),
de incentivos às empresas de
pesca de Santa Catarina e de abatimentos no Cofins em municípios como Guajará-Mirim (RO) e
Brasileia (AC).
Já a tabela das indenizações se
inscreve num propósito mais
amplo, que é o de repassar ao sistema público de saúde despesas
que vinham recaindo sobre as seguradoras privadas.
Eis um caso em que se condensam várias distorções típicas do
procedimento legislativo brasileiro. Em primeiro lugar, a intransparência: decisões complexas, envolvendo ataques e afagos
simultâneos ao contribuinte,
emaranham-se num único documento legal, subtraindo-se, na
prática, ao debate amplo da opinião pública.
Em segundo lugar, vê-se mais
uma vez o crônico abuso do Poder Executivo na edição de medidas provisórias. O que seria um
recurso excepcional, restrito a
assuntos de grande "relevância e
urgência", dá lugar a um varejo
de determinações sobre tudo o
que se queira imaginar, da isenção de impostos para leasing de
aviões no exterior (a MP 451 não
se esqueceu dessa questão) ao
preço justo a pagar pela paralisação de um cotovelo.
Por fim, com tantas MPs -há
mais uma dezena delas na pauta
da Câmara- o Legislativo deixa,
na prática, de legislar. Se não é
votada no prazo de 45 dias, a MP
trava "todas as demais deliberações legislativas da Casa em que
estiverem tramitando". Este é o
texto da Constituição.
O presidente da Câmara, Michel Temer, e o do Senado, José
Sarney, anunciaram nesta terça-feira um outro entendimento da
questão. Consideram que as medidas provisórias não possuem,
como se pensava, o poder de
trancar totalmente a pauta do
Congresso. O bloqueio só se aplicaria a projetos de lei ordinária,
sem impedir o exame de emendas constitucionais ou leis complementares, por exemplo.
A interpretação dos dois líderes peemedebistas, que representará sem dúvida um forte
trunfo político nas negociações
que empreendem com o Executivo, já desperta reações da oposição e dificilmente estará livre
de contestação no STF.
Se há evidente necessidade de
limitar o uso das MPs, trata-se de
fazê-lo por meio de uma mudança constitucional, e não através
de manobras interpretativas.
Mas, como em tudo que diz respeito à reforma política, Executivo e Legislativo mostram-se sabidamente inertes nessa questão; o que prevalece, infelizmente, é o jogo político de sempre.
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