São Paulo, quinta-feira, 19 de março de 2009

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Política travada

Abuso das medidas provisórias deve ser combatido, mas no âmbito de uma reforma na Constituição

PARALISIA total de um quadril: R$ 2.700,00. Paralisia de um cotovelo: R$ 3.375,00. Perda da visão de um olho: R$ 4.050,00. Com seus detalhes macabros, a tabela está sob análise na Câmara dos Deputados. Refere-se às indenizações no seguro obrigatório de acidentes de trânsito e consta de uma medida provisória enviada pelo governo no final de 2008.
A MP 451 dispõe dos temas mais diversos. Trata, entre outras coisas, de mudanças no Imposto de Renda (rebaixa-se a alíquota mínima, de 15% para 7,5%, para quem ganha até R$ 2.150), de incentivos às empresas de pesca de Santa Catarina e de abatimentos no Cofins em municípios como Guajará-Mirim (RO) e Brasileia (AC).
Já a tabela das indenizações se inscreve num propósito mais amplo, que é o de repassar ao sistema público de saúde despesas que vinham recaindo sobre as seguradoras privadas.
Eis um caso em que se condensam várias distorções típicas do procedimento legislativo brasileiro. Em primeiro lugar, a intransparência: decisões complexas, envolvendo ataques e afagos simultâneos ao contribuinte, emaranham-se num único documento legal, subtraindo-se, na prática, ao debate amplo da opinião pública.
Em segundo lugar, vê-se mais uma vez o crônico abuso do Poder Executivo na edição de medidas provisórias. O que seria um recurso excepcional, restrito a assuntos de grande "relevância e urgência", dá lugar a um varejo de determinações sobre tudo o que se queira imaginar, da isenção de impostos para leasing de aviões no exterior (a MP 451 não se esqueceu dessa questão) ao preço justo a pagar pela paralisação de um cotovelo.
Por fim, com tantas MPs -há mais uma dezena delas na pauta da Câmara- o Legislativo deixa, na prática, de legislar. Se não é votada no prazo de 45 dias, a MP trava "todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiverem tramitando". Este é o texto da Constituição.
O presidente da Câmara, Michel Temer, e o do Senado, José Sarney, anunciaram nesta terça-feira um outro entendimento da questão. Consideram que as medidas provisórias não possuem, como se pensava, o poder de trancar totalmente a pauta do Congresso. O bloqueio só se aplicaria a projetos de lei ordinária, sem impedir o exame de emendas constitucionais ou leis complementares, por exemplo.
A interpretação dos dois líderes peemedebistas, que representará sem dúvida um forte trunfo político nas negociações que empreendem com o Executivo, já desperta reações da oposição e dificilmente estará livre de contestação no STF.
Se há evidente necessidade de limitar o uso das MPs, trata-se de fazê-lo por meio de uma mudança constitucional, e não através de manobras interpretativas. Mas, como em tudo que diz respeito à reforma política, Executivo e Legislativo mostram-se sabidamente inertes nessa questão; o que prevalece, infelizmente, é o jogo político de sempre.


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