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CLÓVIS ROSSI
De vencidos e generosidade
QUÉBEC - Não lembro quem foi que disse "Deus dê longa vida a meus inimigos para que vejam de pé a minha
vitória".
Mas a frase não me saía da cabeça
durante o café da manhã de ontem
no hotel. É que a sala estava tomada
por participantes da Cúpula dos Povos, o evento paralelo (e adversário)
à Cúpula das Américas, a reunião
dos 34 governantes da região, ausente apenas Fidel Castro.
É que parece evidente que Deus deu
longa vida a muitos dos homens e
mulheres da cúpula paralela, apenas
para que vissem de pé a vitória de
seus inimigos.
Seus rostos enrugados, seus cabelos
já idos ou embranquecidos denunciam veteranos de muitas lutas. Certamente alguns deles estiveram nas
barricadas de 1968 em algum lugar
do mundo, quando era natural dizer:
"Seja razoável, peça o impossível".
Hoje, são obrigados a conviver com
a tal utopia do possível, a quintessência da mediocridade.
Havia também jovens, que eu via
em preto-e-branco, porque de roupas
e cabelos de 30 anos atrás, como que
saídos de uma manifestação qualquer do passado. Até o cântico ouvido anteontem nas ruas de Québec tinha sabor retrô. Proclamava, em
francês, que "le peuple, uni, ne sera
jamais vaincu".
Importa realmente que o tal de povo nunca se uniu de fato e que foi,
sim, vencido, escandalosamente vencido?
Ou importa mais que, rugas e calvície à parte, essa gente ainda encontra
ânimo para dizer que "outro mundo
é possível"?
É verdade que nem eles próprios sabem direito que "outro mundo" seria
esse nem eu tenho lá muita convicção
de que de fato ele seja possível, por
muito necessário que seja.
Só sei que não viverei o suficiente
para vê-los perder de novo ou, enfim,
ganhar. Mas acho que merecem uma
chance. Não porque sejam melhores
que os da outra Cúpula, mas porque
são mais generosos.
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