São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O conflito entre Israel e palestinos

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

No conflito terrível entre os palestinos e o Estado de Israel, o que temos são dois terrorismos se enfrentando: o terrorismo suicida do desespero e o terrorismo de Estado.
Todo terrorismo é um sinal de barbárie, mas, enquanto os autores do terrorismo palestino se escondem em organizações secretas ou são os próprios suicidas, os do terrorismo de Estado têm nome, endereço e Forças Armadas. Enquanto o terrorismo suicida é a desrazão de quem perdeu a esperança na razão, o terrorismo de Estado é a desrazão da instituição que afirma por natureza o predomínio da lei e da própria razão.
É provavelmente esta constatação que está levando o mundo civilizado, inclusive a grande maioria dos judeus fora de Israel, a manifestar uma indignação sem precedentes. Dentro de Israel informa-se que a popularidade de Sharon, que vinha em declínio, aumentou verticalmente quando ele iniciou a invasão das aldeias e dos campos de refugiados palestinos. Logo, entretanto, o povo israelense perceberá que não se trata de uma guerra; que, salvo pela resistência de alguns guerrilheiros urbanos, o que temos é uma população palestina indefesa sendo vítima de ainda mais repressão. Os relatos sobre o massacre de Jenin são impressionantes e não deixam dúvida sobre o que está acontecendo.
Diante de tanto horror, a pergunta é se haverá uma saída. Estou convencido de que a saída existe e que quase foi encontrada pelo presidente Bill Clinton, o então primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, e o presidente da Autoridade Palestina, Iasser Arafat. As duas nações estavam muito perto de um acordo, que só não se consumou, segundo os analistas, porque não foi dada aos palestinos a garantia de que se formaria o Estado palestino. A história de que Arafat recusou a proposta porque não concordou com a partilha de Jerusalém conta apenas parte do que realmente aconteceu.
Ficou claro, porém, que existe uma saída desde o momento em que a reunião de Taba, dos representantes de Barak e Arafat, e o relatório da comissão presidida pelo senador americano George Mitchell definiram com clareza as diretrizes que deveriam ser seguidas: formação de um Estado palestino, retirada da maioria dos assentamentos para trás das fronteiras estabelecidas em 1967, com uma pequena revisão de fronteiras, e partilha de Jerusalém.


Sharon está certo de que, por mais que ele radicalize o conflito, a potência hegemônica não retirará seu apoio


Por que, então, as duas partes não caminham nessa direção? Por que houve uma radicalização tão grande desde que os trabalhistas perderam as eleições, diante do fracasso das negociações de paz, e o general Sharon, que já havia permitido o massacre de Shatila em 1982, eleito primeiro-ministro, pôde radicalizar o conflito da forma que fez? Qual a lógica por trás de Sharon e dos falcões à sua direita e à sua volta?
Sharon parte de uma lógica, ou de um pressuposto, equivocado. Projetando para o futuro o comportamento dos Estados Unidos no passado, ele está certo de que, por mais que ele radicalize o conflito, a potência hegemônica não retirará seu apoio. Os Estados Unidos, segundo essa lógica, poderão fazer gestos de reprovação, poderão ter uma retórica de paz, mas acabarão apoiando Israel. Ainda mais agora, que o presidente é George W. Bush, que está em luta contra o terrorismo árabe.
Essa lógica não está equivocada apenas porque é simplista e subestima o presidente dos Estados Unidos. Ela está errada porque, desde o fim da Guerra Fria e dos terríveis eventos de 11 de setembro, ficou claro que o interesse nacional dos Estados Unidos mudou em relação ao conflito Israelo-palestino.
O fato pode não ter ficado ainda completamente claro para o próprio presidente Bush e seus próprios falcões, daí as oscilações do comportamento americano em relação à crise; mas essa é uma questão de tempo. Em uma grande democracia como a americana, na qual os problemas internacionais são amplamente debatidos, mais cedo do que se imagina ficará claro que o que interessa aos Estados Unidos é arbitrar e encerrar o conflito, em vez de simplesmente se solidarizar com Israel.
Durante a Guerra Fria, a política dos Estados Unidos em relação ao Oriente Médio era clara e coerente. Aliou-se a Israel, Egito e Arábia Saudita, contra os outros grandes países da região, particularmente o Irã, o Iraque e a Síria, que tendiam a se aliar aos soviéticos.
O grande inimigo agora é o terrorismo e, segundo a lógica americana, a ameaça de guerra química representada pelo Iraque. Para derrotar o terrorismo árabe não é coerente aumentar ainda mais seu ódio, aliando-se incondicionalmente a Israel. Além disso, para enfrentar a possível ameaça iraquiana, não é sensato opor-se a todos os países árabes em relação à questão palestina.
Sharon está enganado porque ele parte de uma certeza que perdeu seu fundamento real. Os EUA acabarão exigindo o fim da violência e o estabelecimento da paz nas linhas propostas pelo senador Mitchell. A liderança palestina relativamente moderada, representada por Arafat, sabe que não há outra alternativa. E chegará o tempo de o governo de Israel também se dar conta do fato.
Mas há uma segunda razão para esperarmos que o conflito se resolva: o Estado de Israel é uma democracia. Conta, portanto, com um regime político intrinsecamente incompatível com o terrorismo de Estado. Por outro lado, os países árabes, através da proposta da Arábia Saudita, já se comprometeram a reconhecer definitivamente o Estado de Israel, caso a paz seja assegurada nos termos do relatório Mitchell.
Assim, mais cedo do que se imagina, o povo de Israel dar-se-á conta de que sua segurança depende agora não mais das demonstrações de força, mas do fim da barbárie de irmãos que se matam. Existem em Israel forças muito profundas a favor da civilização e da paz.


Luiz Carlos Bresser Pereira, 67, é professor de economia na FGV-SP e de teoria política na USP. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney) e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo FHC).



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