São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2004

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DISTORÇÃO DIPLOMÁTICA

Uma boa política externa precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre o amor aos princípios e o pragmatismo. O Brasil não deve achar que vai consertar o mundo através das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem pode desconsiderar todos os escrúpulos morais, centrando-se apenas em resultados comerciais.
O governo, infelizmente, não encontrou esse ponto de equilíbrio. O mesmo Itamaraty que se comporta com dignidade e altivez em muitos fóruns internacionais defende Cuba com desfaçatez, passando por cima dos mais elementares princípios de respeito aos direitos humanos, e agarra-se a picuinhas, supostamente com alto valor moral, apenas para contrariar os Estados Unidos.
Não se trata, é claro, de defender um alinhamento automático com Washington, muito pelo contrário. Poucas vezes se viu a superpotência hegemônica cometer tantos e tão grosseiros erros em sua política externa. Mas opor-se a políticas de George W. Bush não deve significar trair as próprias convicções.
É risível afirmar, como o fez o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, que não há repressão em Cuba. Ela pode não ter a escala industrial das perseguições produzidas por Stálin ou Mao Tsé-tung, mas é preciso ter perdido a noção da realidade para considerar que as farsas judiciais montadas para condenar os opositores legitimam o processo.
Para agravar um pouco mais a falta de direção do governo, o Itamaraty cogita de adotar uma posição mais condescendente em relação aos desmandos cometidos pela China no campo dos direitos humanos. Seria um gesto de boa vontade às vésperas da viagem de Lula ao país. De novo, o Brasil estaria pervertendo princípios que deveriam ser inegociáveis, talvez em troca de vantagens comerciais.
O Brasil pode e deve manter boas relações com o maior número possível de países. Isso não significa que deva calar-se diante do que considera errado. É perfeitamente possível defender o fim do embargo a Cuba mesmo condenado a repressão na ilha. Pode-se, também, manter negócios com a China sem deixar de criticar o desrespeito aos direitos humanos. Prova-o o fato de que o Brasil, mesmo acusando as políticas de Washington, tem nos EUA seu principal parceiro de negócios.


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