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JOSÉ SERRA
O impasse
Parece que os Estados Unidos
nunca se encrencaram tanto em
suas guerras externas quanto agora no
Iraque. A conquista de metade do território mexicano no século 19 foi bem-sucedida, como o foram também as
invasões das Filipinas e de Cuba na virada do século 20. Nas duas guerras
mundiais, os norte-americanos foram
os principais vencedores. A guerra da
Coréia não foi nem perdida nem vencida e foi travada sob o dístico das Nações Unidas.
No Vietnã, a derrota foi vexaminosa,
mas a guerra começou com uma justificativa então plausível (embora errada): teoria do dominó. A intervenção
destinava-se a impedir que mais um
país virasse comunista, derrubando
em seguida outras pedras vizinhas. O
envolvimento norte-americano, além
disso, foi gradual, sem uma guerra inicial em grande escala. A retirada não
teve grandes conseqüências.
No Iraque, as coisas são bem diferentes. A invasão teve pretextos falsos,
não se confirmando a suposta existência de grandes estoques de armas de
destruição em massa. O tirano Saddam Hussein tampouco tinha relações com a rede terrorista de Bin Laden. O envolvimento direto dos Estados Unidos não foi gradual, começando, pelo contrário, com uma invasão
maciça por terra, mar e ar. E sofreu a
oposição de países aliados de grande
peso, como a Alemanha e a França, e
até de países economicamente atados
aos Estados Unidos, como o Chile e o
México. Conseguiu atrair tropas de alguns parceiros, mas, com exceção das
britânicas, em número insignificante.
De fato, o conflito com o Iraque é essencialmente uma guerra dos Estados
Unidos. Guerra contra quem, exatamente? Saddam foi derrubado, preso
e exibido nas TVs de todo o mundo
sob o efeito de drogas. Seus filhos e
herdeiros políticos foram assassinados. O regime despótico de Saddam
desmanchou-se. E agora?
O terrorismo mundial parece ter-se
fortalecido e, no Iraque, tendências
muçulmanas antes antagônicas começam a unir-se contra os invasores.
São dezenas de milhões de pessoas
que, no mínimo, vêem com antipatia a
presença das tropas estrangeiras e dezenas de milhares que estão pegando
nas armas de que dispõem para enfrentar os ocupantes. Paralelamente,
aumenta o antiamericanismo em todo o mundo árabe.
A esta altura, o dilema para o governo americano não é fácil. Aprofundar
a ocupação, deslocando mais tropas e
intensificando os bombardeios, dirigiria os ataques, cada vez mais, contra a
população civil, elevaria os custos em
vidas e em recursos, produziria um
país muito mais hostil e aumentaria o
isolamento internacional dos Estados
Unidos. Ganham-se guerras contra
exércitos, mas não contra povos que
se levantam aos milhões.
Por outro lado, sair precipitadamente do Iraque, deixando-o acéfalo e devastado, poderia desencadear uma
guerra civil, além de provocar levantes
de curdos e a intervenção de tropas
turcas e iranianas. E isso desestabilizaria ainda mais o mercado internacional de petróleo, para não falar da desmoralização dos Estados Unidos no
contexto árabe e mundial e dos riscos
que correriam governos pró-ocidentais, como o da Arábia Saudita.
O único resultado positivo desse
quadro dramático poderá ser a derrota de Bush na eleição. Ainda assim, vitorioso, Kerry encontrará no impasse
iraquiano o maior desafio de seu governo. Seu plano está na linha do
"third best": fugir do dilema envolvendo as Nações Unidas. Trata-se de
uma estratégia mais fácil de propor
numa campanha do que de aplicar no
futuro.
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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