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CONTRABANDO NAS MPs
O governo federal está lançando mão da prática de contrabando nas MPs a fim de aprovar projetos de seu interesse. Trata-se de um
artifício pelo qual o Executivo baixa
uma medida provisória em que aparecem, embutidos no meio do texto,
dispositivos inteiramente estranhos
à matéria ementada. Não chega a ser
ilegal, porque a Constituição não veda o procedimento, mas tampouco
se pode dizer que o recurso seja aceitável ou que aprimore a democracia.
Se há um ponto em que Executivo e
Legislativo ainda não chegaram a estabelecer convivência harmoniosa é
justamente a utilização de MPs. Todo
governo democrático precisa de um
instrumento para legislar emergencialmente. Há situações em que pode
ser nocivo ao país aguardar que os
trâmites parlamentares ocorram no
tempo deste Poder. Daí não se segue
que o Executivo possa governar por
decreto e esperar que o Congresso
apenas homologue suas propostas.
MPs deveriam ser reservadas para
casos realmente excepcionais, e o
Parlamento deveria ser célere em
apreciá-las e aprová-las ou rejeitá-las.
Esse, contudo, nunca foi o caso. Até
2001, o que se verificou foi que o governo usava e abusava de MPs (que
podiam ser reeditadas indefinidamente) e que os congressistas se furtavam às suas responsabilidades,
deixando de considerá-las.
Para pôr fim aos desmandos, aprovou-se a emenda constitucional nº
32, que mudou a tramitação das
MPs. Elas passaram a ser válidas por
apenas 30 dias prorrogáveis uma
única vez por mais 30. A fim de garantir que o Legislativo as apreciaria,
definiu-se que, a partir do 45º dia,
elas passariam a trancar a pauta, impedindo que qualquer outro projeto
fosse votado antes delas.
Em termos institucionais, a situação melhorou -o governo já não
governa por reedições de MPs-,
mas a pauta do Congresso ficou a reboque da caneta do Planalto, que não
conteve sua sanha legiferante. Ou
melhor, até ficou ligeiramente mais
comedido, mas passou a valer-se de
subterfúgios como o contrabando.
De novo, fala-se em emendar a
Constituição para solucionar o impasse. Parece razoável a proposta de
dar ao Congresso a alternativa de
converter MPs em projeto de lei se
julgar que elas não reúnem a relevância e a urgência que deveriam caracterizá-las. O risco, nesse caso, é que
parlamentares transformem a nova
competência em mais uma oportunidade para o negócio de criar dificuldades para o governo a fim de
vender-lhe depois facilidades.
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