São Paulo, terça-feira, 19 de abril de 2005

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CONTRABANDO NAS MPs

O governo federal está lançando mão da prática de contrabando nas MPs a fim de aprovar projetos de seu interesse. Trata-se de um artifício pelo qual o Executivo baixa uma medida provisória em que aparecem, embutidos no meio do texto, dispositivos inteiramente estranhos à matéria ementada. Não chega a ser ilegal, porque a Constituição não veda o procedimento, mas tampouco se pode dizer que o recurso seja aceitável ou que aprimore a democracia.
Se há um ponto em que Executivo e Legislativo ainda não chegaram a estabelecer convivência harmoniosa é justamente a utilização de MPs. Todo governo democrático precisa de um instrumento para legislar emergencialmente. Há situações em que pode ser nocivo ao país aguardar que os trâmites parlamentares ocorram no tempo deste Poder. Daí não se segue que o Executivo possa governar por decreto e esperar que o Congresso apenas homologue suas propostas.
MPs deveriam ser reservadas para casos realmente excepcionais, e o Parlamento deveria ser célere em apreciá-las e aprová-las ou rejeitá-las. Esse, contudo, nunca foi o caso. Até 2001, o que se verificou foi que o governo usava e abusava de MPs (que podiam ser reeditadas indefinidamente) e que os congressistas se furtavam às suas responsabilidades, deixando de considerá-las.
Para pôr fim aos desmandos, aprovou-se a emenda constitucional nº 32, que mudou a tramitação das MPs. Elas passaram a ser válidas por apenas 30 dias prorrogáveis uma única vez por mais 30. A fim de garantir que o Legislativo as apreciaria, definiu-se que, a partir do 45º dia, elas passariam a trancar a pauta, impedindo que qualquer outro projeto fosse votado antes delas.
Em termos institucionais, a situação melhorou -o governo já não governa por reedições de MPs-, mas a pauta do Congresso ficou a reboque da caneta do Planalto, que não conteve sua sanha legiferante. Ou melhor, até ficou ligeiramente mais comedido, mas passou a valer-se de subterfúgios como o contrabando.
De novo, fala-se em emendar a Constituição para solucionar o impasse. Parece razoável a proposta de dar ao Congresso a alternativa de converter MPs em projeto de lei se julgar que elas não reúnem a relevância e a urgência que deveriam caracterizá-las. O risco, nesse caso, é que parlamentares transformem a nova competência em mais uma oportunidade para o negócio de criar dificuldades para o governo a fim de vender-lhe depois facilidades.


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