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ANTONIO DELFIM NETTO
Marx, nós e a China
O velho Karl era realmente extraordinário. A sua análise da capacidade revolucionária da burguesia
(o capitalismo), feita (com Engels) no
"Manifesto", sugeriu que a expansão
da indústria (acrescente-se a expansão
financeira que a acompanha) e do
mercado mundial conquistariam, no
final, o domínio político exclusivo do
Estado moderno representativo,
transformando-o num "comitê" que
administraria os interesses comuns de
toda a classe capitalista. Eles escreveram isso em meados do século 19
(1848), observando um capitalismo
emergente com uma tecnologia primitiva (início da indústria mecânica,
revolução da química industrial e seu
emprego na agricultura, máquina a
vapor para indústria, navios e ferrovias, telégrafo etc.), com instituições
precárias e com os trabalhadores desorganizados e abandonados à sua
própria sorte, sem qualquer sistema
de seguridade social.
O que diria Marx do poder avassalador e invasivo de um capitalismo
apoiado no "estado da arte" da tecnologia física e financeira do século 21
que dispõe de 20% da força de trabalho mundial e que é regida por instituições do século 18? A China não conhece um Judiciário independente, a
propriedade privada é mal definida, o
sistema bancário é estatal e precário, a
lei de patentes é suficientemente frouxa, a seguridade social é inexistente e a
pena de morte é uma banalidade! E se
descobrisse que esse "monstro", agora
celeiro de mão-de-obra escrava a serviço do mundo, tem no seu DNA um
gene do seu "socialismo" geneticamente modificado que a transformou
no mais perfeito "selvagem" capitalismo?
Provavelmente repetiria que esse desenvolvimento desumano acabará
provocando a reorganização do proletariado. Quando este chegar ao poder
do Estado, pela revolução ou pelo sufrágio universal, humanizará, universalizará e socializará os benefícios produzidos pelo imenso progresso tecnológico. Aí, com seu formidável saber
histórico, verificaria os resultados do
"proletariado no poder" pelo sufrágio
universal ocorrido no Brasil e desistiria do materialismo histórico...
O problema chinês é um fato novo,
ainda não estudado seriamente pela
teoria econômica. Esta conhece bem
os efeitos das trocas de bens e serviços
com fatores de produção fixos (trabalho e capital em nações politicamente
separadas) e sabe com segurança apenas que "algum comércio é sempre
melhor do que nenhum comércio"
para aumentar o bem-estar da sociedade. Mas é um fato óbvio demais para exigir reafirmação: nenhuma sociedade, como estão fazendo os ocidentais, pode sacrificar o seu mais valioso
capital, que é o humano, deixando-o
desempregado e desarticulando o seu
sistema produtivo por conta de supostas "vantagens comparativas".
Ao contrário do que se teoriza, o capitalismo "selvagem" se alimenta da
falta de instituições -e elas não são
"criadas" por cérebros peregrinos. Ele
se "domestica" e elas "melhoram" no
próprio processo de desenvolvimento. A prova é o gráfico abaixo, no qual
se vê a preferência dos capitalistas de
vários países (estimulados por generosos benefícios fiscais) na instalação
de seus centros e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Sessenta e
dois porcento das empresas mundiais
consultadas escolheram a China para
centros de pesquisa. Hoje já são mais
de 700 laboratórios de multinacionais
instalados na China.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
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