São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

Marx, nós e a China

O velho Karl era realmente extraordinário. A sua análise da capacidade revolucionária da burguesia (o capitalismo), feita (com Engels) no "Manifesto", sugeriu que a expansão da indústria (acrescente-se a expansão financeira que a acompanha) e do mercado mundial conquistariam, no final, o domínio político exclusivo do Estado moderno representativo, transformando-o num "comitê" que administraria os interesses comuns de toda a classe capitalista. Eles escreveram isso em meados do século 19 (1848), observando um capitalismo emergente com uma tecnologia primitiva (início da indústria mecânica, revolução da química industrial e seu emprego na agricultura, máquina a vapor para indústria, navios e ferrovias, telégrafo etc.), com instituições precárias e com os trabalhadores desorganizados e abandonados à sua própria sorte, sem qualquer sistema de seguridade social.
O que diria Marx do poder avassalador e invasivo de um capitalismo apoiado no "estado da arte" da tecnologia física e financeira do século 21 que dispõe de 20% da força de trabalho mundial e que é regida por instituições do século 18? A China não conhece um Judiciário independente, a propriedade privada é mal definida, o sistema bancário é estatal e precário, a lei de patentes é suficientemente frouxa, a seguridade social é inexistente e a pena de morte é uma banalidade! E se descobrisse que esse "monstro", agora celeiro de mão-de-obra escrava a serviço do mundo, tem no seu DNA um gene do seu "socialismo" geneticamente modificado que a transformou no mais perfeito "selvagem" capitalismo?
Provavelmente repetiria que esse desenvolvimento desumano acabará provocando a reorganização do proletariado. Quando este chegar ao poder do Estado, pela revolução ou pelo sufrágio universal, humanizará, universalizará e socializará os benefícios produzidos pelo imenso progresso tecnológico. Aí, com seu formidável saber histórico, verificaria os resultados do "proletariado no poder" pelo sufrágio universal ocorrido no Brasil e desistiria do materialismo histórico...
O problema chinês é um fato novo, ainda não estudado seriamente pela teoria econômica. Esta conhece bem os efeitos das trocas de bens e serviços com fatores de produção fixos (trabalho e capital em nações politicamente separadas) e sabe com segurança apenas que "algum comércio é sempre melhor do que nenhum comércio" para aumentar o bem-estar da sociedade. Mas é um fato óbvio demais para exigir reafirmação: nenhuma sociedade, como estão fazendo os ocidentais, pode sacrificar o seu mais valioso capital, que é o humano, deixando-o desempregado e desarticulando o seu sistema produtivo por conta de supostas "vantagens comparativas".
Ao contrário do que se teoriza, o capitalismo "selvagem" se alimenta da falta de instituições -e elas não são "criadas" por cérebros peregrinos. Ele se "domestica" e elas "melhoram" no próprio processo de desenvolvimento. A prova é o gráfico abaixo, no qual se vê a preferência dos capitalistas de vários países (estimulados por generosos benefícios fiscais) na instalação de seus centros e laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Sessenta e dois porcento das empresas mundiais consultadas escolheram a China para centros de pesquisa. Hoje já são mais de 700 laboratórios de multinacionais instalados na China.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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