São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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Mais que uma sigla

Membros do Bric têm grandes diferenças entre si, mas interesses comuns podem impulsionar acordos vantajosos

NADA É tão irresistível como a força de uma ideia cujo tempo chegou, disse Victor Hugo. Assim é com o bloco designado pela sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), criada em 2001.
Nos anos 1980 já havia o conceito de "países baleia", que elegia massa territorial e demografia como elementos críticos para o protagonismo global.
Mas ainda não era o tempo -existia a URSS, a China havia apenas iniciado sua abertura, o Brasil patinava na hiperinflação e a Índia padecia nas ineficiências de seu modelo.
Nesta década, a ascensão da China como plataforma manufatureira barateou os bens industriais e elevou os preços das matérias-primas. Foi um choque favorável para o mundo em desenvolvimento, que viu diminuída a histórica escassez de capital para investimento.
Nos últimos anos, os quatro países concentraram mais de 50% do crescimento mundial, receberam volumes crescentes de investimento e desempenharam papel relevante nas questões globais.
Daí não resulta, contudo, que formarão um bloco a atuar em uníssono. Há convergência em alguns temas, em especial o da reforma financeira global, que deverá evoluir, ainda que lentamente, em favor dos emergentes.
Mas as diferenças são muitas, e cada um atuará em consonância com seus projetos nacionais. Brasil e Índia são democracias, ao passo que Rússia e sobretudo China são regimes autocráticos. Exceto o Brasil, os outros três são rivais estratégicos no xadrez geopolítico asiático e global.
Não há, tampouco, um modelo econômico a uni-los. A China se consolida como potência industrial, num regime de capitalismo dirigido pelo Estado. Brasil e Índia são economias de mercado diversificadas, com forte consumo interno, mas baixa eficiência produtivo-exportadora. Já a Rússia encontra obstáculos para reduzir a dependência do setor de energia.
As divergências são claras no âmbito da Organização Mundial do Comércio. O Brasil é adversário, por exemplo, do protecionismo agrícola, ao contrário de China e Índia. Na questão climática, o governo brasileiro mostra-se mais compromissado em limitar emissões de carbono.
A segunda reunião de cúpula do Bric, realizada na semana passada, mostrou que nos temas multilaterais é difícil ir muito além de declarações de intenção.
Mas seria um erro acreditar que o encontro é mera peça de marketing. No plano bilateral, o documento assinado por Brasil e China, embora vago, é passo importante para oportunidades equilibradas de comércio e investimento. A intenção de colaboração entre bancos nacionais de desenvolvimento também é positiva, pois permitirá diversificar fontes de financiamento.
Esse tipo de cooperação na agenda do desenvolvimento é um fator real de aproximação entre os quatro países, que poderá contribuir gradualmente para maior convergência nos grandes temas globais.


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