São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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ANTONIO DELFIM NETTO

Política industrial e de inovação

As novas disposições governamentais sobre política industrial e estímulo à inovação estão ainda em formatação. Elas representam uma mudança de 180 graus na direção da política que resultou da mistura de ideologia e teoria econômica que dominou o país desde a aventura Collor. Na verdade, a abertura comercial era uma necessidade, mas a combinação sinistra de redução simultânea de crédito, tarifas alfandegárias e taxa de câmbio real revelou-se (como era de esperar) um desastre para a agricultura e a indústria nacionais. Desastre que, no setor industrial, não chegou a ser superado até hoje. De 1990 a 2003, o PIB industrial cresceu apenas 1% ao ano! No setor agrícola, graças à intervenção governamental (negando a "ideologia" dominante), com o programa Moderfrota, a situação se inverteu: depois de um crescimento ridículo de 1,8% ao ano entre 1990 e 1998, com o desenvolvimento de novas técnicas de plantio, mais crédito, mais câmbio e o Moderfrota, ela cresceu à taxa de 5,4% ao ano.
O Moderfrota é um exemplo concreto de que a ação do Estado é insubstituível no estímulo ao crescimento econômico e de que a política que considera estabilidade monetária e inação do Estado condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento é falsa. O Moderfrota demonstrou também que é ainda mais falsa a tese, tão cara aos livre-cambistas nacionais, segundo a qual as vantagens comparativas foram criadas por Deus, com o espaço geográfico.
O novo modelo brasileiro de estímulo à indústria e à inovação parece ter encontrado inspiração no coreano. Em 1984, a Coréia era parecida com o Brasil em matéria de comércio exterior. Em 2002, com um PIB nominal de US$ 477 bilhões, ela realizou um comércio externo da ordem de US$ 315 bilhões (US$ 163 bilhões de exportação e US$ 152 bilhões de importação). Com uma abertura para o comércio exterior de 66% e um nível de reservas da ordem de US$ 160 bilhões, ela é hoje um dos países mais protegidos das flutuações da conjuntura externa. Conseguiu isso porque, depois de ter "quebrado" em 1997, teve a coragem de corrigir o problema, voltando ao equilíbrio em um ano, com uma profunda recessão, logo superada pelo notável crescimento posterior (sem déficits em conta corrente).
O que caracteriza o modelo coreano é a integração, numa visão de longo prazo, do governo com entidades privadas e universidades, numa rede de planejamento e desenvolvimento tecnológico complementada por subsídios e recursos orçamentários. O seu orçamento de pesquisa e desenvolvimento foi de US$ 2,5 bilhões em 1998, passou a US$ 4,3 bilhões em 2002 (4,5% do Orçamento) e é estimado, no programa de longo prazo, em US$ 25 bilhões para 2007 (7% do Orçamento). Ele é executado por meio das associações privadas das indústrias de diversos setores: Eiak (indústria eletrônica), Cosar (pesquisa em semicondutores), Koami (bens de capital), Koshipa (estaleiros), Kari (pesquisa aeroespacial), Kitech (tecnologia industrial) e outras, coordenadas pelo Ministério de Comércio, Indústria e Energia. Esse conjunto é integrado com as sete grandes universidades coreanas e obedece a um programa que pensa o país duas décadas à frente e se beneficia de subsídios do governo.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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