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CARLOS HEITOR CONY
Os Bocages de Lula
RIO DE JANEIRO - Desconfio que já contei esta historinha meio sem graça, das muitas atribuídas ao poeta
Bocage -depois de Camões, o maior
sonetista da língua portuguesa. São
casos geralmente obscenos, ou sujos
na maioria das vezes, mas pelo menos um deles tem espantosa coincidência com o assunto mais importante da semana que passou.
Deu-se que, num banquete no Palácio Real, uma duquesa comeu demais e soltou um arroto considerado
"bestial", adjetivo que os portugueses
até hoje dedicam aos grandes feitos.
Evidente que a duquesa, ao contrário
daquele poeta nacional que ficou pálido de espanto porque ouvia estrelas,
ficou vermelha de vergonha.
Bocage estava sentado em frente à
duquesa, condoeu-se de seu arroto e,
para consertar o inconsertável, pediu
desculpas em voz alta: "O arroto que
a senhora duquesa deu não foi ela
que deu, fui eu, peço perdão a todos!".
Todos perdoaram não apenas o
poeta, mas a duquesa, que ficou mais
vermelha do que já estava. Para o
resto de seus dias, passou a ser conhecida como a duquesa do Arroto, sua
fama de mal-educada chegou às províncias e ao ultramar. Em sua tumba, num convento nas proximidades
de Leiria, há uma lápide com o epitáfio: "A duquesa que arrotou diante
do rei".
Com o nosso presidente, que o
"New York Times" chamou de Da
Silva, aconteceu coisa parecida. Que
ele bebe, bebe, como muita gente boa,
má ou mais ou menos bebe, uns mais,
outros menos. O abstêmio mais notável do mundo moderno foi Hitler,
que também não bebia, não fumava,
não comia carnes brancas nem vermelhas e era politicamente correto
em matéria alimentar, embora incorretíssimo em outros setores.
Longe de mim associar um tirano
como Hitler ao nosso boa-praça Da
Silva, ainda que num exemplo às
avessas. Mas o paralelo com a Duquesa que Arrotou Diante do Rei não
chega a ser forçado.
Agora, o que houve de Bocage desastrado nesse episódio não foi mole.
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