São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Os Bocages de Lula

RIO DE JANEIRO - Desconfio que já contei esta historinha meio sem graça, das muitas atribuídas ao poeta Bocage -depois de Camões, o maior sonetista da língua portuguesa. São casos geralmente obscenos, ou sujos na maioria das vezes, mas pelo menos um deles tem espantosa coincidência com o assunto mais importante da semana que passou.
Deu-se que, num banquete no Palácio Real, uma duquesa comeu demais e soltou um arroto considerado "bestial", adjetivo que os portugueses até hoje dedicam aos grandes feitos. Evidente que a duquesa, ao contrário daquele poeta nacional que ficou pálido de espanto porque ouvia estrelas, ficou vermelha de vergonha.
Bocage estava sentado em frente à duquesa, condoeu-se de seu arroto e, para consertar o inconsertável, pediu desculpas em voz alta: "O arroto que a senhora duquesa deu não foi ela que deu, fui eu, peço perdão a todos!".
Todos perdoaram não apenas o poeta, mas a duquesa, que ficou mais vermelha do que já estava. Para o resto de seus dias, passou a ser conhecida como a duquesa do Arroto, sua fama de mal-educada chegou às províncias e ao ultramar. Em sua tumba, num convento nas proximidades de Leiria, há uma lápide com o epitáfio: "A duquesa que arrotou diante do rei".
Com o nosso presidente, que o "New York Times" chamou de Da Silva, aconteceu coisa parecida. Que ele bebe, bebe, como muita gente boa, má ou mais ou menos bebe, uns mais, outros menos. O abstêmio mais notável do mundo moderno foi Hitler, que também não bebia, não fumava, não comia carnes brancas nem vermelhas e era politicamente correto em matéria alimentar, embora incorretíssimo em outros setores.
Longe de mim associar um tirano como Hitler ao nosso boa-praça Da Silva, ainda que num exemplo às avessas. Mas o paralelo com a Duquesa que Arrotou Diante do Rei não chega a ser forçado.
Agora, o que houve de Bocage desastrado nesse episódio não foi mole.


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