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O ano do urso
2008 pode ficar marcado como a data em que o aquecimento global causado pelo homem
se tornou patente
URSOS POLARES que se
tornam canibais, premidos pela escassez de
presas no gelo ártico
em retração acelerada, constituem um emblema concreto da
mudança climática. Não por acaso, a espécie (Ursus maritimus)
acaba de ser oficialmente declarada, pelo governo dos Estados
Unidos, sob ameaça de extinção.
Mas há muito mais desses riscos
entre o céu, o mar e a terra do que
sonhava a nossa climatologia.
Os exemplos são vários e conhecidos. Proliferam mudanças
na época de floração, anunciando primaveras mais e mais precoces. Fases de crescimento de
animais em 19 países estão em
desarranjo. Geleiras nas montanhas começam a derreter mais
cedo, antecipando o pico caudaloso de rios -cada vez mais tépidos, assim como lagos.
Apesar de conhecidos, tais fenômenos eram relacionados
quase anedoticamente ao aumento da temperatura da atmosfera resultante da queima de
combustíveis fósseis (aquecimento global). Isso até uma
equipe do Instituto Goddard de
Estudos Espaciais da Nasa e de
outros centros de pesquisa, coordenados por Cynthia Rosenzweig, resolver testar uma vinculação mais robusta.
O grupo recorreu à ferramenta, comum na literatura médica,
da meta-análise. Trata-se de reunir todas as pesquisas já publicadas que obedeçam a certos requisitos e então dar-lhes tratamento estatístico padronizado. Rosenzweig analisou mais de
29.500 séries de dados sobre essas alterações de sistemas naturais e publicou os resultados no
periódico científico "Nature".
Nove em cada dez observações
se revelaram compatíveis com as
alterações previstas em decorrência do aquecimento da atmosfera. No caso das 829 mudanças físicas documentadas,
como desaparecimento de geleiras, a concordância chegou a
95%. Nas de sistemas biológicos,
como os ursos canibais, 90% de
cerca de 28 mil estudos indicaram a elevação de temperatura
pela mão do homem como única
explicação coerente.
O trabalho padece, por certo,
de uma série de limitações. Só foi
possível reunir dados para o período 1970-2004; mais confiáveis seriam séries de 50-100
anos. A distribuição das observações se concentra na Europa e na
América do Norte; da África, foram usadas apenas 14.
Apesar disso, a quantidade inédita de estudos ponderados na
meta-análise e a alta correlação
convenceram os revisores críticos da pesquisa. "Concluímos
que a mudança climática antropogênica está exercendo um impacto significativo nos sistemas
físicos e biológicos, globalmente
e em alguns continentes", escrevem os autores, com ênfase rara
nesse gênero de artigo.
Entre cientistas profissionais
ainda há poucos a pôr em dúvida
a influência humana sobre o
aquecimento global. Com o trabalho de Rosenzweig, aliado ao
nível mais alto de gases do efeito
estufa nos últimos 800 mil anos,
encontrarão cada vez menos ouvidos, na esfera pública, para o
seu ceticismo.
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