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CARLOS HEITOR CONY
De grão em grão
RIO DE JANEIRO - Alguma coisa ainda não foi dita a respeito da recente
viagem presidencial à China, cujo resultado mais imediato e fulminante
foi o embargo da soja exportada do
Brasil para o colosso asiático.
Houve tempo em que um carregamento de café em pó foi periciado numa alfândega européia e descobriu-se que havia sangue de boi torrado e
moído em mistura com a chamada
preciosa rubiácea. Tirante nosso futebol, que é aceito como legítimo, até
os travestis brasileiros que chegam a
Hamburgo, Paris e Milão volta e
meia são desmascarados. Não faz
muito, um filipino foi recambiado
porque se dizia natural do Ceará.
Nunca houve tamanha comitiva de
empresários e tamanhas louvações à
diplomática investida do governo para aumentar nosso comércio com os 2
bilhões e quebrados de chineses. O petardo comercial explodiu feio, desmentindo as avaliações otimistas
despejadas pelos interessados.
É evidente que não se deve invocar
a lei da causalidade, ou seja, atribuir
o embargo diretamente à visita presidencial, na tradicional relação de
causa e efeito. Mas não deixa de ser
estranho que o caso tenha sido criado
em cima do lance, quando as bandeirinhas do Brasil nem haviam sido retiradas das ruas de Pequim.
A simpatia e o carisma pessoal de
nosso presidente parece que não funcionaram além das reuniões e conversas formais do protocolo. Desgaste
da imagem de Lula no plano internacional? Muito cedo para isso. Ele tem
gás suficiente para atravessar o primeiro mandato, se é que chega realmente ao segundo.
Na quarta-feira, o presidente foi
obrigado a descumprir o cerimonial
ao receber autoridade estrangeira.
Não desceu a rampa, preferindo saída mais modesta, acho que pela garagem. Com isso, evitou o constrangimento de ser vaiado por uma multidão que promovia seu enterro simbólico. De grão em grão, em soja ou em
prestígio interno, os ventos estão mudando para os lados do Lula-lá.
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