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TENDÊNCIAS/DEBATES
A esquerda tem um projeto alternativo ao neoliberalismo?
SIM
A alternativa da esquerda
PAUL SINGER
É claro que a esquerda tem um
projeto alternativo ao neoliberalismo. A tese de que a esquerda não o tem
é, em si mesma, o argumento final do
neoliberalismo. Quando os evidentes
malefícios do neoliberalismo -a falta
de crescimento econômico, o desemprego em massa e crônico, a multiplicação de novos pobres, o crescimento da
violência e do crime organizado etc.-
revelam-se irrefutáveis, surge o derradeiro: não há alternativa.
O projeto alternativo ao neoliberalismo começa por negar o pseudodilema
crescimento x inflação, ao menos em
sua pretensa generalidade. A experiência histórica e a boa teoria econômica
mostram que a aceleração do crescimento da economia, enquanto houver
ponderável ociosidade da força de trabalho e do capital físico, reduz as pressões inflacionárias, porque ela aumenta
as economias de escala e, portanto, diminui os custos de produção, permitindo vender a preços menores.
Apenas quando o crescimento enfrenta sérios pontos de estrangulamento, cuja abertura leva tempo, é aconselhável moderar o ritmo de expansão
econômica para evitar que o excesso de
demanda pressione os preços para cima. Mas, ao mesmo tempo em que esfria a economia, o Estado deve providenciar os investimentos necessários
para abrir os pontos de estrangulamento, tendo em vista a retomada do crescimento intenso no menor prazo.
Conseqüentemente, a política fiscal e
monetária deve ter por objetivo prioritário a geração de trabalho e renda. E no
menor prazo possível, pois os desempregados e carentes não podem esperar
(os neoliberais dizem que perseguem o
mesmo objetivo, só que no longo prazo.
A esse respeito, Keynes disse que "no
longo prazo estaremos todos mortos").
O projeto da esquerda sustenta que o
governo deve ser responsável pelo ritmo de crescimento econômico, pelo fomento da economia nas regiões mais
pobres, pela redistribuição da renda como forma de luta contra a pobreza e pelo pleno emprego.
O combate à pobreza requer a distribuição, pelo Estado, tanto de renda como de capital. O ideal seria um seguro
contra a pobreza, na forma de uma renda cidadã que garantisse a todos os residentes no país um consumo mínimo
decente. Enquanto não se logra isso, são
necessários programas de transferência
de renda aos mais carentes, tendo em
vista prevenir formas degradadas de
trabalho -mendicância, prostituição,
trabalho infantil, escravo- e a miséria.
Além disso, o poder público deve prover capital a todos os que queiram empreender, sobretudo aos pobres, mediante reforma agrária, entrega de empresas em crise aos empregados que
queiram recuperá-las e múltiplas formas de microcrédito e finanças solidárias. Uma das principais formas de garantir o pleno emprego é oferecer, a todos que queiram, a oportunidade de
criar o seu próprio emprego, sozinho ou
em associação com outros. Hoje, essa
oportunidade se limita aos que têm capital próprio ou podem oferecer garantias a bancos para obter financiamentos. Para estender essa oportunidade
aos pobres, o Estado deve promover um
sistema financeiro primordialmente dedicado a esse fim.
O projeto da esquerda propõe que o
Estado crie os instrumentos necessários
à implementação dessas políticas, entre
os quais avulta o controle dos fluxos de
capital para dentro e para fora do país.
Isso é imprescindível para dar ao Estado
independência em relação aos detentores de capital líquido. Não há economia
nacional que possa resistir a uma fuga
de capitais de grande proporção. Não
instituir tal controle equivale a conferir
ao grande capital, nacional e transnacional, poder de veto contra qualquer
política pública que considere prejudicial a seus interesses.
Finalmente, o projeto da esquerda
propõe que os poderes públicos federais, estaduais e municipais apóiem a
economia solidária, como instrumento
de desenvolvimento das comunidades e
de democratização da economia. Nos
empreendimentos solidários não há divisão de classes, porque os que possuem
o capital e os que executam o trabalho
são os mesmos.
Formas autogestionárias de produção, de poupança, de empréstimo e de
consumo criam, dentro da sociedade
capitalista, espaços de democracia e
igualdade social e econômica. Espaços
que demonstram concretamente que
outra sociedade é possível e quais são as
vantagens e desvantagens dessa nova
sociedade em relação à existente -o
que dá aos cidadãos o poder de escolher
em que sociedade desejam viver e, inclusive, a possibilidade de experimentar
alternadamente a vida na economia capitalista e na solidária.
Em tempo: na esquerda há -felizmente- diversos projetos alternativos
ao neoliberalismo, vários dos quais já
estão sendo construídos em diversos
países, inclusive no Brasil. O que apresento acima é minha visão dos aspectos
mais importantes de um possível projeto de esquerda.
Paul Singer, 72, professor titular da Faculdade
de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho.
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