São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Delírios de chuteiras

SÃO PAULO - É raro um treinador ter estado tão em sintonia com a euforia teleguiada da torcida como o Carlos Alberto Parreira de 2006. Nunca também foi tão súbita a peripécia que transformou o técnico da seleção em uma besta teimosa na opinião daquela mesma turba que delirava com a invencível armada comandada pelo "quarteto mágico". O delírio do marketing ajuda a explicar a reviravolta.
A seleção invencível parece agora o que ela é: também um produto de marketing. Marketing de times, materiais esportivos e do show na TV. A seleção é de certo modo escalada pelo grau de exposição midiática dos jogadores. Decerto os melhores atletas, os contratados pelos times mais ricos e marquetados, são as estrelas naturais da exposição nas propagandas. Mas a partir daí a imagem dos atletas em parte ganha vida própria: muita atividade marqueteira compensa deficiências atléticas.
A euforia dos locutores mais irracionais é por sua vez básica para o negócio de mídia. Uma ocorrência excepcional, como a goleada sobre a Argentina em meio a uma série de partidas medianas, torna-se um slogan do locutor ufanista e macunaímico. O time dos sonhos (portanto irreal) é o garoto-propaganda da TV.
O fim ou a suspensão do delírio expõe outros defeitos. Nossa euforia angustiada de gente insegura dá lugar à raiva autoritária contra o treinador (que responde quase na mesma moeda), raiva que encobre o medo da própria inaptidão para a competência. Já se ouve o clichê "importa é ganhar", mesmo mal. Daqui a pouco, Macunaíma dirá: mesmo dando uma roubadinha.
Os jogadores nacionais têm talento, porém. Há opções racionais para escalar o time e aprimorar a técnica (pouco utilizadas, pois treinamos mal). Mas preferimos esquecer da vida no nosso turbilhão de delírios infectados por marquetagem.


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