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VINICIUS TORRES FREIRE
Delírios de chuteiras
SÃO PAULO - É raro um treinador
ter estado tão em sintonia com a euforia teleguiada da torcida como o
Carlos Alberto Parreira de 2006.
Nunca também foi tão súbita a peripécia que transformou o técnico da
seleção em uma besta teimosa na
opinião daquela mesma turba que
delirava com a invencível armada
comandada pelo "quarteto mágico".
O delírio do marketing ajuda a explicar a reviravolta.
A seleção invencível parece agora
o que ela é: também um produto de
marketing. Marketing de times,
materiais esportivos e do show na
TV. A seleção é de certo modo escalada pelo grau de exposição midiática dos jogadores. Decerto os melhores atletas, os contratados pelos times mais ricos e marquetados, são
as estrelas naturais da exposição
nas propagandas. Mas a partir daí a
imagem dos atletas em parte ganha
vida própria: muita atividade marqueteira compensa deficiências
atléticas.
A euforia dos locutores mais irracionais é por sua vez básica para o
negócio de mídia. Uma ocorrência
excepcional, como a goleada sobre a
Argentina em meio a uma série de
partidas medianas, torna-se um
slogan do locutor ufanista e macunaímico. O time dos sonhos (portanto irreal) é o garoto-propaganda
da TV.
O fim ou a suspensão do delírio
expõe outros defeitos. Nossa euforia angustiada de gente insegura dá
lugar à raiva autoritária contra o
treinador (que responde quase na
mesma moeda), raiva que encobre o
medo da própria inaptidão para a
competência. Já se ouve o clichê
"importa é ganhar", mesmo mal. Daqui a pouco, Macunaíma dirá: mesmo dando uma roubadinha.
Os jogadores nacionais têm talento, porém. Há opções racionais
para escalar o time e aprimorar a
técnica (pouco utilizadas, pois treinamos mal). Mas preferimos esquecer da vida no nosso turbilhão
de delírios infectados por marquetagem.
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