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JOÃO SAYAD
Koffi Annan
DO LADO direito do ringue,
um brutamontes, de cavanhaque e cabeça raspada,
recusa-se a dar a mão para o juiz.
Faz o papel de malvado. Do lado esquerdo, o adversário, com capa
branca de franjas douradas sobre
os ombros, é o mocinho. A luta livre
mistura esporte e teatro: o bem
contra o mal. O resultado é predeterminado-vence o mocinho.
La Crosse era uma festa dos índios norte-americanos que encenava a vitória dos vivos contra os
mortos. Hoje é um esporte em que
vence quem fizer mais gols contra
adversário. Esporte e teatro são
brincadeiras sobre a vida. No mundo capitalista várias festas se transformaram em competição esportiva onde o objetivo é vencer.
O futebol americano imita a vida
americana corporativa. Os jogadores se reúnem no meio do campo
para planejar ataque e defesa,
usam capacetes, protetores de ombros e se comunicam por rádio
com o técnico. Chocam-se de frente e tentam passar pelo adversário
a força.
O futebol (brasileiro?) é o jogo do
malandro: a estratégia é contornar
o adversário sem se chocar com ele.
O Garrincha sempre passava pela
esquerda. O esporte tem regras e
faz parte da técnica saber como
transgredir para cavar uma falta
perto da área. É a imagem do espírito brasileiro. O Brasil é pentacampeão.
Atualmente, a Copa do Mundo
encena a competição entre as nações no mundo globalizado, com
torcidas nacionais apaixonadas
(nacionalistas?) embora os jogadores sejam mercadorias internacionais, exportados para times de outros países do mundo. São bens comerciáveis de origem brasileira como a soja e o etanol.
Ronaldo leva o jogo muito a sério
e se descontrola emocionalmente.
E parece que leva a vida como brincadeira. Nós, como espectadores,
reagimos ao contrário.
A Copa é uma brincadeira de
adultos, a encenação de um drama
"real". Apresenta como jogo a competição do resto do ano por mercados, supremacia nacional e poder.
Koffi Annan escreveu que inveja a
Copa do Mundo. Pois a Fifa é mais
antiga, congrega mais países do
que a ONU e a convivência é cordial. Mas a Copa é apenas um amistoso da outra Copa de todos os dias
que acontece na ONU, na faixa de
Gaza, na Bolsa de Nova York ou nos
presídios de São Paulo.
Competimos para levar para casa uma taça de ouro. Na comunidade internacional, para dominar
mercados e acumular dólares. Nas
duas, esquecemos por que, o objetivo é vencer.
À frente da televisão, não sabemos se a Copa é um intervalo na vida extenuante de todo dia ou se a
vida é apenas um intervalo de quatro anos entre as Copas do Mundo.
E sofremos de verdade.
@ - jsayad@attglobal.net
JOÃO SAYAD escreve às segundas nesta coluna.
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