São Paulo, segunda-feira, 19 de junho de 2006

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JOÃO SAYAD

Koffi Annan

DO LADO direito do ringue, um brutamontes, de cavanhaque e cabeça raspada, recusa-se a dar a mão para o juiz. Faz o papel de malvado. Do lado esquerdo, o adversário, com capa branca de franjas douradas sobre os ombros, é o mocinho. A luta livre mistura esporte e teatro: o bem contra o mal. O resultado é predeterminado-vence o mocinho.
La Crosse era uma festa dos índios norte-americanos que encenava a vitória dos vivos contra os mortos. Hoje é um esporte em que vence quem fizer mais gols contra adversário. Esporte e teatro são brincadeiras sobre a vida. No mundo capitalista várias festas se transformaram em competição esportiva onde o objetivo é vencer.
O futebol americano imita a vida americana corporativa. Os jogadores se reúnem no meio do campo para planejar ataque e defesa, usam capacetes, protetores de ombros e se comunicam por rádio com o técnico. Chocam-se de frente e tentam passar pelo adversário a força.
O futebol (brasileiro?) é o jogo do malandro: a estratégia é contornar o adversário sem se chocar com ele.
O Garrincha sempre passava pela esquerda. O esporte tem regras e faz parte da técnica saber como transgredir para cavar uma falta perto da área. É a imagem do espírito brasileiro. O Brasil é pentacampeão.
Atualmente, a Copa do Mundo encena a competição entre as nações no mundo globalizado, com torcidas nacionais apaixonadas (nacionalistas?) embora os jogadores sejam mercadorias internacionais, exportados para times de outros países do mundo. São bens comerciáveis de origem brasileira como a soja e o etanol.
Ronaldo leva o jogo muito a sério e se descontrola emocionalmente. E parece que leva a vida como brincadeira. Nós, como espectadores, reagimos ao contrário.
A Copa é uma brincadeira de adultos, a encenação de um drama "real". Apresenta como jogo a competição do resto do ano por mercados, supremacia nacional e poder.
Koffi Annan escreveu que inveja a Copa do Mundo. Pois a Fifa é mais antiga, congrega mais países do que a ONU e a convivência é cordial. Mas a Copa é apenas um amistoso da outra Copa de todos os dias que acontece na ONU, na faixa de Gaza, na Bolsa de Nova York ou nos presídios de São Paulo.
Competimos para levar para casa uma taça de ouro. Na comunidade internacional, para dominar mercados e acumular dólares. Nas duas, esquecemos por que, o objetivo é vencer.
À frente da televisão, não sabemos se a Copa é um intervalo na vida extenuante de todo dia ou se a vida é apenas um intervalo de quatro anos entre as Copas do Mundo.
E sofremos de verdade.
@ - jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas nesta coluna.


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