São Paulo, terça-feira, 19 de junho de 2007

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Proibição fantasiosa

CLAUDIO WEBER ABRAMO


A preocupação de nossos parlamentares não é com o interesse do eleitor, mas com o seu próprio interesse


ENCONTRA-SE em discussão no Congresso a proposta de proibição do financiamento privado de campanhas eleitorais no Brasil. A idéia apareceu em 2005, durante o escândalo do mensalão.
Na época, empregaram o bode expiatório do caixa dois para explicar o mensalão, transformando o esquema de propinagem do valerioduto em transgressão eleitoral e transmudando deputados apanhados tomando bola na boca do caixa em "vítimas do sistema". Argumentou-se, ilogicamente, que, caso se eliminasse o caixa um, ou seja, o financiamento privado de campanhas realizado legal e declaradamente, se eliminaria o financiamento ilegal e às escondidas, a saber, o caixa dois.
O financiamento público exclusivo de campanhas implica, na prática (embora não necessariamente), a adoção da votação em lista -o eleitor deixa de votar em candidatos individuais, passando a fazê-lo em listas definidas pelas burocracias partidárias.
Acontece que há um problema de base na proposta. Ela se fundamenta na noção de que, eliminando a possibilidade de empresas privadas financiarem legalmente campanhas eleitorais, desapareceria a motivação para que elas procurassem influenciar decisões legislativas e executivas de forma a satisfazer seus interesses.
Em outras palavras, imagina-se que uma estipulação legal qualquer eliminaria uma motivação material. Ora, deveria ser claro que os interesses privados sempre agirão ao lado do Estado na busca da satisfação de seus pleitos. Se não puderem fazer isso legalmente, o farão ilegalmente.
A lógica que governa o financiamento eleitoral não é a lógica das leis, mas a lógica do mercado, da oferta e da procura.
Numa feira livre, diferentes bancas ofertam, digamos, tomates. O consumidor que procura tomates para o molho do macarrão compara as ofertas, barganha e acerta um preço, numa certa banca, para a aquisição do ingrediente. Digamos que se proíba a comercialização de tomates. Será que isso eliminaria os molhos de macarrão e, assim, a demanda por tomates?
É evidente que não. Imediatamente se organizaria um mercado paralelo de tomates.
O tomate oferecido pelos candidatos são decisões futuras, que as empresas demandam para fazer o seu macarrão. O financiamento eleitoral é a paga.
A vantagem de regulamentar o financiamento privado, como acontece em todos os países minimamente civilizados, é que as doações passam a ser conhecidas. Sabe-se quem pagou quem. Essa informação serve para orientar o monitoramento dos agentes políticos. Se sabemos que empresas de determinado setor financiaram tais e quais políticos, podemos vigiar a atuação destes últimos para determinar se há indícios de que esteja sendo indevidamente orientada no sentido de satisfazer àqueles interesses.
É claro, por outro lado, que parte do financiamento eleitoral se dá ilegalmente, sem que seja declarado. Sobre esse, não temos informação e, portanto, não temos condição de saber se as decisões do indivíduo eleito estão se dando de modo a favorecer este ou aquele interesse.
Deixar de saber quais são os interesses em jogo é o que, na verdade, os campeões do financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais estão a propor. Como a demanda por decisões não vai deixar de existir simplesmente porque se tenha proibido o financiamento legal e declarado de campanhas, e como a oferta dos políticos tampouco vai se prender a formalismos, o que acontecerá é que as doações que são hoje declaradas tenderão a se transferir ao buraco negro do caixa dois. Com isso, deixará de existir por completo o conhecimento, ainda que parcial, que hoje temos a respeito dos interesses em jogo.
O dinheiro público deve, sim, ser usado em eleições, mas para melhorar o sistema representativo e contrabalançar a influência do capital. Faz-se isso para fortalecer os partidos pequenos e ampliar a participação dos cidadãos no processo eleitoral. Há diversos modelos ao redor do mundo que usam fundos públicos para isso.
Contudo, não se assiste no Congresso a uma discussão ao longo dessa vertente. A preocupação de nossos parlamentares não é com o interesse do eleitor, mas com o seu próprio.
Eles sabem muito bem como funciona a oferta e a procura no mercado eleitoral, e o que na verdade muitos pretendem com a proibição das doações privadas legais é esconder as fontes de um financiamento que continuará a acontecer, agora integralmente no caixa dois.

CLAUDIO WEBER ABRAMO , mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção no país.
www.transparencia.org.br

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