São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aquecimento local do debate sobre Amazônia

LUIZ PINGUELLI ROSA


O Brasil poderá dar o exemplo estabelecendo suas metas internas de redução do desmatamento

HOUVE UM aquecimento local do debate sobre o aquecimento global e o desmatamento da Amazônia.
O pedido de demissão irrevogável da ex-ministra Marina Silva representou uma perda, dado seu prestígio internacional e sua credibilidade na política nacional. Sua presença no governo Lula contribuiu para a efetiva redução do desmatamento da Amazônia nos últimos três anos. Porém, dados preliminares do Inpe indicam um aumento do desmatamento neste ano. O Ministério do Meio Ambiente não recebeu do governo recursos suficientes para o combate ao desmatamento, e a ministra se chocou com poderosos interesses, das madeireiras ao agronegócio.
Muitos que, na mídia, lamentam sua saída reclamavam do rigor da ministra no licenciamento de obras, especialmente de hidrelétricas. Mas uma análise cuidadosa dos dados da Aneel mostra que há outros fatores para o atraso das obras depois de serem concedidas por licitação.
O novo ministro, Carlos Minc, tem, como a ex-ministra, uma tradição na esquerda e nos movimentos ambientalistas nacionalmente, com a diferença de que marcou sua atuação não na Amazônia, mas no Estado do Rio de Janeiro, como deputado estadual do PT e como secretário do Ambiente no governo de Sérgio Cabral. Nessa função, criou a Superintendência de Mudança Climática, que elaborou um decreto, já em vigor, para obrigar futuras usinas termoelétricas no Estado a fazerem uma compensação ambiental, destinando um percentual do investimento para fontes alternativas.
É difícil a tarefa de substituir Marina Silva em meio a uma crise, e Minc cobra do presidente Lula os meios necessários para enfrentar os problemas que tem pela frente. O maior deles é o desmatamento, para o que ele propôs a meta de desmatamento zero e a participação das Forças Armadas no seu combate.
Já me manifestei publicamente a favor dessa participação. Os militares podem dar apoio logístico e, com a Polícia Federal, dar segurança aos fiscais do Ibama, transportando-os rapidamente até os locais onde for detectado desmatamento.
O desmatamento dá a maior contribuição do Brasil às emissões de gases do efeito estufa. O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas encaminhou ao presidente da República, em 2007, sugestões para um Plano Nacional de Ação para Enfrentamento da Mudança Climática. Dele consta, em primeiro lugar, o estabelecimento de metas quantitativas de redução do desmatamento, além de medidas para conservação de energia, estímulo a fontes renováveis e ao uso do transporte público, entre outros.
Lula se referiu ao plano no seu discurso de abertura da Assembléia Geral da ONU, em setembro do ano passado, com repercussão internacional. Na véspera da Conferência de Bali, em dezembro, na reunião plenária do fórum em que foram homenageados os brasileiros que participaram dos trabalhos do IPCC, ganhador do Nobel da Paz de 2007, o presidente assinou decreto formando uma comissão interministerial para elaborar o plano de ação. Até agora, a comissão preparou um projeto de lei de política climática, enviado ao Congresso Nacional no último dia 6 de junho.
Por outro lado, acaba de ser deliberada pela Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas do Congresso uma resolução com vários pontos a serem debatidos, sem estabelecer metas, mas sugerindo compromissos voluntários de empresas, leilão de energia elétrica para usinas eólicas, um fundo e uma comissão sobre desmatamento com os países sul-americanos que compartilham com o Brasil a floresta amazônica.
Cabe ao novo ministro dar continuidade aos trabalhos da comissão interministerial, considerando as recomendações do fórum e da comissão do Congresso para definir medidas concretas desde logo aplicáveis, enquanto tramita o projeto de lei. Entre as medidas sugeridas pelo fórum estão ações do governo para eficiência energética, a exigência da contabilidade das emissões de gases de efeito estufa pelas empresas e o estabelecimento de metas de redução dessas emissões por unidade de produto, além das metas para redução do desmatamento.
A respeito desse último ponto, uma infeliz matéria de um grande jornal norte-americano levantou novamente a lebre sobre o controle internacional da Amazônia, merecendo resposta do governo brasileiro em defesa da soberania.
Alguns criticam a posição do Itamaraty na Convenção do Clima da ONU, alegando a necessidade de o país assumir obrigações similares às dos países desenvolvidos, enquadrados no Anexo 1 por terem alto consumo de energia per capita. Porém, em Bali, os países em desenvolvimento, sobretudo China, Índia, Brasil e África do Sul, concordaram em tomar medidas para conter o aumento das emissões de maneira voluntária, mas "quantificáveis e verificáveis". O Brasil poderá dar o exemplo estabelecendo suas metas internas de redução do desmatamento.


LUIZ PINGUELLI ROSA , 66, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Foi presidente da Eletrobrás (2003-04). É autor do livro "Tecnociências e Humanidades".

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