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JOSÉ SARNEY
Ainda uma vez o livro
ESTE ESPAÇO jamais pode ser
usado para assuntos pessoais.
Aqui, não tenho o Senado para atrapalhar-me, e sim o gosto de
escrever. E nada melhor do que escrever sobre o livro.
Sempre acreditei que o livro e o
jornal jamais acabariam. Sempre
que surge uma nova tecnologia eles
entram na berlinda. Leio, citado
pelo jornalista espanhol Antonio
Milan, que em 1894 perguntaram a
um especialista qual seria o destino
do livro no futuro: "Se por livro entendermos as inumeráveis somas
de papel impresso, encadernadas
sob uma capa com um título, reconheço que a invenção de Gutenberg cairá em desuso". Para ele a
vez era da reprodução fonográfica.
Era o som que entrava com tudo.
Com o advento da sociedade de
comunicação, essa discussão aumentou e o fim do livro foi anunciado. Agora é a vez do "e-book" e
do "kindle". Este é capaz de armazenar milhares de obras que podem ser lidas, anotadas e folheadas. É uma tecnologia mágica, uma
dessas porções que os bruxos da
Idade Média buscavam criar.
Ela não deve ser descartada, mas
não substitui o livro. Creio que sua
maior aplicação será para estudantes, que, em vez de uma mochila
cheia de cadernos e tratados, vão
poder ter todos os livros de consulta à mão. Mas o livro impresso é
uma tecnologia mais avançada.
Não precisa de chips em placas que
se encaixam uma às outras de modo a levar à tela os textos, necessitando de energia nas baterias, que
devem ser alimentadas de tempos
em tempos. O livro não precisa de
nada disso, não quebra e pode cair.
Não sei se é por amor ao livro,
mas tenho como dogma, desses de
fanáticos, que eles continuarão, assim como os jornais, e jamais serão
passados para trás. Há no livro o
gosto, livro tem gosto, desde o táctil até o cheiro bom.
Um amigo, o grande tradutor
francês Jean Orecchioni, certa vez
me disse que leu num livro uma
descrição tão realista do mar que
ficou enjoado e teve de tomar remédio para o balanço dos barcos.
Por milhares de livros que possam acumular essas máquinas, elas
jamais acumularão os tantos livros
que existem num livro. Quantos livros há no "Dom Quixote", o cavaleiro da triste figura? São milhares,
e cada frase é um livro. São emoções que não acredito que se possa
ter num livro eletrônico em que a
própria tecnologia interfere em
sua leitura, que tem de permanentemente manusear os botões de
sua máquina.
Mas salvará definitivamente o livro a poesia. Ela não cabe numa tela e não precisa do mercado, porque seus leitores são os restritos
poetas que fizeram o provérbio
"Poetas por poetas sejam lidos".
Sempre precisaremos desse
companheiro, que, como dizia o
poeta espanhol Manuel Machado,
nos leve da "prosa ao sonho".
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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