São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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Editoriais

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Jogo travado

Presença de candidatos nanicos nos debates eleitorais da TV é um dos principais, mas não o único, fator de seu desinteresse

Mudanças, por vezes surpreendentes, pontuais e arbitrárias, ocorrem com frequência no campo da legislação eleitoral. Existem regras, todavia, que mudam pouco -e contribuem para tornar a disputa política brasileira, em certos aspectos, algo tão ritualizado e fixo quanto certas cerimônias religiosas do Oriente, uma apresentação de balé clássico ou as entrevistas de jogadores de futebol depois de uma partida.
É o caso das determinações relativas aos debates entre candidatos no rádio e na TV. A lei dá direito de participação a todo candidato cujo partido tenha eleito deputados federais no último pleito. Além de José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), bem colocados nas pesquisas, outros quatro candidatos, com índices de popularidade próximos de zero, preparam-se para a porfia.
Embora a última alteração da lei permita acordos no sentido de flexibilizar a regra, o escrete é capaz de prejudicar ainda mais o nível técnico do encontro. Com exceção de Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, que não peca pela falta de ideologia, quase nada há a esperar, em termos de visão estratégica, de candidatos como Mario de Oliveira (PT do B) e Oscar Silva (PHS), sem contar com a presença veterana de Ciro Moura (PTC).
Os fanáticos desse tipo de disputa lamentarão, sem dúvida, a ausência de eternos favoritos. Levy Fidelix (PRTB), Rui Costa Pimenta (PCO) ou José Maria Eymael (PSDC), apesar de candidatos, não estão, desta vez, entre os titulares nos debates. Há razão suficiente, contudo, para prever que serão travados como sempre.
Não é apenas a legislação, com efeito, a responsável pela má qualidade do espetáculo. Estabelecidas com antecedência pelos assessores dos principais candidatos, as regras dos debates, com sua irritante cronometria de réplicas e tréplicas, parecem feitas de encomenda para adequar o tempo das respostas à estreiteza de imaginação de quem as enuncia.
Criou-se, ademais, a cultura dos números -como se recitar estatísticas suspeitas, em velocidade estonteante, atestasse a competência administrativa e a visão política dos contendores.
Os momentos mais emocionantes se reservam para as denúncias de corrupção, repartidas sem dificuldade pelos envolvidos. Surgem nos derradeiros "blocos" do debate -quando boa parte dos telespectadores já foi dormir ou fazer coisa melhor.
Entre chutes e caneladas, ninguém ganha -e o eleitor, com certeza, é o maior derrotado.
Tudo se origina, sem dúvida, de uma concepção cartorial e burocrática da vida política. Cartorial, porque os debates na televisão são vistos como uma espécie de concessão do poder público, um prolongamento do horário gratuito estabelecido pela lei, e não como um acontecimento jornalístico.
Burocrática, porque a codificação rígida convém aos próprios candidatos, presos a uma tática defensiva e sem imaginação. Num país de grande vitalidade democrática, e com tantos problemas a resolver, é lamentável que nos debates eleitorais esteja-se longe de jogar o melhor futebol do mundo.


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