São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004

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VINICIUS MOTA

O trotskismo tranqüilo

SÃO PAULO - Acostado no canto esquerdo do sofá que ele mesmo desenhou, o colarinho e o punho da camisa canelada dobrados em sintonia, Luis Favre dirige os olhos ao exemplar entreaberto de "Minha Vida", de Leon Trótski (1879-1940), que retém próximo ao colo. O ocre da capa da edição envelhecida compõe com os tons foscos predominantes: o vermelho do móvel e o das almofadas desalinhadas, o azul acinzentado da camisa de inverno, a calça escura.
Pinceladas de brilho completam a cena. Um objeto cilíndrico ao fundo reflete provavelmente a luz natural que entra na casa do Jardim Europa. Em primeiro plano, ainda fora do foco, cintila a aliança de casamento com Marta Suplicy, na mão esquerda que mantém aberto o livro.
A imagem, da repórter fotográfica Ana Ottoni, circulou ontem na capa da Folha. Dela transparecem placidez, compenetração, elegância e sobretudo conforto -desde que esqueçamos a biografia de Trótski, sangrenta até o último suspiro.
O francês Favre era emissário do trotskismo internacional no Brasil já no final da década de 70 e início dos 80. Por aqui, articulou-se a grupos de esquerda de mesma inspiração. Entre os membros dessa rede, que desaguaria no PT, estava um jovem líder estudantil de Ribeirão Preto chamado Antonio Palocci Filho.
O sereno Palocci agora está interessado "nas medidas que vão preparar o Brasil institucionalmente para crescer por uma década ou mais sem interrupções", disse ao "Financial Times". O trotskista encontrou a utopia do liberalismo, o equilíbrio geral. Quer crescimento moderado e constante, sem sobressalto, sem explosão de consumo e produção, sem quebra de contratos. Quer pacificar o futuro.
O ministro Luiz Gushiken, outro que no passado trilhava a vereda trotskista com Favre e Palocci, trouxe guru de auto-ajuda para recomendar integridade e paciência ao Planalto.
Parece que o trabalho de Luis Favre no Brasil frutificou. O trotskismo tranqüilo fez escola.


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