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VINICIUS MOTA
O trotskismo tranqüilo
SÃO PAULO - Acostado no canto esquerdo do sofá que ele mesmo desenhou, o colarinho e o punho da camisa canelada dobrados em sintonia,
Luis Favre dirige os olhos ao exemplar entreaberto de "Minha Vida",
de Leon Trótski (1879-1940), que retém próximo ao colo. O ocre da capa
da edição envelhecida compõe com
os tons foscos predominantes: o vermelho do móvel e o das almofadas
desalinhadas, o azul acinzentado da
camisa de inverno, a calça escura.
Pinceladas de brilho completam a
cena. Um objeto cilíndrico ao fundo
reflete provavelmente a luz natural
que entra na casa do Jardim Europa.
Em primeiro plano, ainda fora do foco, cintila a aliança de casamento
com Marta Suplicy, na mão esquerda
que mantém aberto o livro.
A imagem, da repórter fotográfica
Ana Ottoni, circulou ontem na capa
da Folha. Dela transparecem placidez, compenetração, elegância e sobretudo conforto -desde que esqueçamos a biografia de Trótski, sangrenta até o último suspiro.
O francês Favre era emissário do
trotskismo internacional no Brasil já
no final da década de 70 e início dos
80. Por aqui, articulou-se a grupos de
esquerda de mesma inspiração. Entre os membros dessa rede, que desaguaria no PT, estava um jovem líder
estudantil de Ribeirão Preto chamado Antonio Palocci Filho.
O sereno Palocci agora está interessado "nas medidas que vão preparar
o Brasil institucionalmente para
crescer por uma década ou mais sem
interrupções", disse ao "Financial Times". O trotskista encontrou a utopia do liberalismo, o equilíbrio geral.
Quer crescimento moderado e constante, sem sobressalto, sem explosão
de consumo e produção, sem quebra
de contratos. Quer pacificar o futuro.
O ministro Luiz Gushiken, outro
que no passado trilhava a vereda
trotskista com Favre e Palocci, trouxe
guru de auto-ajuda para recomendar integridade e paciência ao Planalto.
Parece que o trabalho de Luis Favre no Brasil frutificou. O trotskismo
tranqüilo fez escola.
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