São Paulo, segunda-feira, 19 de julho de 2004 |
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TENDÊNCIAS / DEBATES Precatórios e direitos humanos
LUIZA NAGIB ELUF
Por sua vez, o Poder Legislativo, que fiscaliza o Executivo, tampouco agiu para corrigir a distorção. Dessa forma, os precatórios alimentares passaram a ser ignorados, sem perspectiva de reversão do quadro. O Ministério Público viu-se na obrigação de instaurar inquérito civil para a apuração das responsabilidades. Tendo o STF abdicado de seu poder coercitivo, a Ordem dos Advogados do Brasil planeja encaminhar um relatório à OEA (Organização dos Estados Americanos), informando que o Brasil desrespeita os direitos humanos e a ordem jurídica nacional. A medida não poderia ser mais adequada. O não-pagamento de débitos alimentares constitui, realmente, uma violação de direitos humanos. Como observado por Flávia Piovesan, no livro "Temas de Direitos Humanos", "sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais". Ora, uma empresa falida talvez possa alegar, de maneira convincente, não ter recursos para pagar salários atrasados. Já ao Estado não cabe apresentar a mesma justificativa, pois os impostos, que cada vez aumentam mais, continuam sendo cobrados sem perdão. O fato de a administração pública não pagar dívidas alimentares significa, apenas, que não priorizou os salários e preferiu destinar sua receita a outras finalidades, como obras, publicidade, viagens. Se estamos pretendendo tomar o rumo da moralização e da ética, os governantes deveriam ser os primeiros a dar o exemplo. Afinal, desde a Revolução Francesa não somos mais súditos do rei, mas sujeitos de direitos que o poder público precisa respeitar. Se o Estado é o devedor, o não-pagamento deve acarretar o seqüestro de receita suficiente para saldar a obrigação, expediente já previsto atualmente para os precatórios não-alimentares. Como bem demonstrou Fábio Konder Comparato, ao prefaciar o livro de Flávia Piovesan supracitado, "as Constituições modernas têm como finalidade proteger a pessoa humana contra o arbítrio, o desprezo e a violência dos poderosos. Por isso mesmo, proclamou o art. 16 da Declaração dos Direitos Humanos e da Cidadania que toda a sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação de poderes determinada não tem Constituição. É a grande verdade, que ainda não logrou contudo penetrar na consciência perra de nossos governantes". É evidente que, se não houver medida coercitiva nenhuma, as dívidas em atraso jamais serão honradas. Como única alternativa, os brasileiros se vêm na contingência de ter que recorrer a organismos internacionais em busca de socorro, e o país será mais uma vez projetado no cenário mundial de forma negativa, como violador de direitos. E estaremos rasgando nossa Constituição cidadã. Luiza Nagib Eluf, 49, é procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Foi Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça (governo Fernando Henrique Cardoso). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Marcelo Trindade Miterhof: Cotas raciais e diversificação da elite Índice |
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