São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A lição de antiterrorismo está no passado

ROMEU TUMA

A ação da PF contra o PCC já deveria estar acontecendo há muito tempo. Independe de quem quer que seja no âmbito estadual

SALVATORE LUCANIA ficou conhecido internacionalmente como Charles "Lucky" Luciano. Foi ele quem transformou a máfia ítalo-americana num "sindicato nacional", nos anos 30-40. Tornou-se "pai" do crime organizado moderno.
Aqui, se intenta criar uma máfia à brasileira. A exemplo de "Lucky" Luciano, um dos quadrilheiros diz procurar inspiração em clássicos literários, do tipo "A Divina Comédia" (Dante Alighieri) e "A Arte da Guerra" (Sun Tzu).
Ambos os casos indicam como um punhado de facínoras pode dispor de todo o tempo do mundo por conta do dinheiro público -com casa, comida e roupa lavada- para chefiar da cela organizações criminosas e disseminar nas ruas o terror antes restrito às cadeias. No Brasil, chama-se isso de execução da pena e ressocialização.
Ao mesmo tempo, a grande massa trabalhadora começa a jornada ao alvorecer. Viaja como gado em ônibus ou trens superlotados para ir e voltar do trabalho. Gasta os minguados salários em condução deficiente, alimentação inadequada, roupas sofríveis e aluguéis absurdos, sempre rezando para não precisar contrair dívidas na compra de medicamentos. Chama-se isso de inclusão social.
Nos EUA, forças-tarefas policiais e troca de informações sob coordenação central demoliram o império de "Lucky" Luciano, muito mais poderoso que o PCC e congêneres. Entretanto, o que vemos 70 anos depois? Rivalidade político-ideológica continua a determinar ações ou inações de governantes e candidatos a governante. Procuram-se vantagens eleitorais numa situação perversa, orientada para exaurir a força do Estado democrático de Direito, desorganizar a sociedade e lançar um manto de terror sobre todos os cidadãos de bem.
O governo federal alardeia ter posto à disposição dos governos estaduais recursos que vão da Polícia Federal às Forças Armadas, passando pela incipiente Força Nacional. Mas põe na conta dos governadores a faculdade de pedir ou autorizar o seu emprego. Tenta, assim, difundir imagem de fraqueza com relação a quem lhe interessa. Em São Paulo, dirige essa hipocrisia a um dos lados em disputa eleitoral.
Na verdade, o combate aos delitos mais graves (narcotráfico e tráfico de armas) dentre os que sustentam o crime organizado é atribuição direta da Polícia Federal, de acordo com a Constituição (artigo 144). Assim, a ação da PF contra o PCC já deveria estar acontecendo há muito tempo. Independe de quem quer que seja no âmbito estadual. É prerrogativa e obrigação do governo federal.
Por sua vez, as Forças Armadas poderiam ser empregadas eventualmente. Mas estão longe as circunstâncias que exigiriam o uso de tropas e equipamentos bélicos dessa natureza. São Paulo não é o Haiti, apesar de todo o esforço em contrário, inclusive com o apoio dos bandidos.
Sob pressão emergencial, a União resolveu liberar R$ 100 milhões do Fundo Penitenciário Nacional a favor do governo paulista, que lhe mostrou a necessidade imediata de R$ 354 milhões para adequar nosso aparato de segurança.
Seria incabível criticar a liberação do dinheiro, embora insuficiente. Todavia, o apoio financeiro quase tardio provém de um dos fundos nacionais existentes para investimentos rotineiros nos Estados, de maneira que a segurança pública não fique a reboque do crime.
Os recursos daqueles fundos, entre eles o Penitenciário e o de Segurança Pública, deveriam ter fluído antes de emergências previsíveis como a caracterizada pelos atentados do PCC. Jamais ser liberados como cortesia ou benesse pré-eleitoral.
O governo paulista pediu ao federal que acompanhe e auditore as contas bancárias dos integrantes do crime organizado por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça -coisas que também já deveriam estar ocorrendo há tempos por imposição legal. Pediu ainda o incremento das ações de inteligência entre as forças federais e as polícias estaduais, assim como o aumento do efetivo da Polícia Federal em São Paulo.
Nada fará sentido, porém, sem uma central de informações na qual representantes de todos os segmentos da inteligência civil e militar existentes em São Paulo comunguem dia-a-dia tudo o que sabem. Depende disso a eficácia do combate ao terrorismo agora oriundo do crime chamado comum. A lição está clara em experiências vitoriosas no passado.
Pois, como diria Sun Tzu, só vence quem conhece o inimigo como a si mesmo, e a melhor vitória ocorre com a derrota aceita pela mente adversária sem necessidade de combate.


ROMEU TUMA, 74, senador pelo PFL-SP, é corregedor do Senado Federal. Foi diretor-geral da Polícia Federal (1985-92) e secretário da Receita Federal (1992).

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