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TENDÊNCIAS/DEBATES
A lição de antiterrorismo está no passado
ROMEU TUMA
A ação da PF contra o PCC já deveria estar acontecendo há muito tempo. Independe de quem quer que seja no âmbito estadual
SALVATORE LUCANIA ficou conhecido internacionalmente como Charles "Lucky" Luciano.
Foi ele quem transformou a máfia ítalo-americana num "sindicato nacional", nos anos 30-40. Tornou-se "pai"
do crime organizado moderno.
Aqui, se intenta criar uma máfia à
brasileira. A exemplo de "Lucky" Luciano, um dos quadrilheiros diz procurar inspiração em clássicos literários, do tipo "A Divina Comédia"
(Dante Alighieri) e "A Arte da Guerra"
(Sun Tzu).
Ambos os casos indicam como um
punhado de facínoras pode dispor de
todo o tempo do mundo por conta do
dinheiro público -com casa, comida
e roupa lavada- para chefiar da cela
organizações criminosas e disseminar nas ruas o terror antes restrito às
cadeias. No Brasil, chama-se isso de
execução da pena e ressocialização.
Ao mesmo tempo, a grande massa
trabalhadora começa a jornada ao alvorecer. Viaja como gado em ônibus
ou trens superlotados para ir e voltar
do trabalho. Gasta os minguados salários em condução deficiente, alimentação inadequada, roupas sofríveis e
aluguéis absurdos, sempre rezando
para não precisar contrair dívidas na
compra de medicamentos. Chama-se
isso de inclusão social.
Nos EUA, forças-tarefas policiais e
troca de informações sob coordenação central demoliram o império de
"Lucky" Luciano, muito mais poderoso que o PCC e congêneres. Entretanto, o que vemos 70 anos depois?
Rivalidade político-ideológica continua a determinar ações ou inações
de governantes e candidatos a governante. Procuram-se vantagens eleitorais numa situação perversa, orientada para exaurir a força do Estado democrático de Direito, desorganizar a
sociedade e lançar um manto de terror sobre todos os cidadãos de bem.
O governo federal alardeia ter posto à disposição dos governos estaduais recursos que vão da Polícia Federal às Forças Armadas, passando
pela incipiente Força Nacional. Mas
põe na conta dos governadores a faculdade de pedir ou autorizar o seu
emprego. Tenta, assim, difundir imagem de fraqueza com relação a quem
lhe interessa. Em São Paulo, dirige essa hipocrisia a um dos lados em disputa eleitoral.
Na verdade, o combate aos delitos
mais graves (narcotráfico e tráfico de
armas) dentre os que sustentam o crime organizado é atribuição direta da
Polícia Federal, de acordo com a
Constituição (artigo 144). Assim, a
ação da PF contra o PCC já deveria estar acontecendo há muito tempo. Independe de quem quer que seja no
âmbito estadual. É prerrogativa e
obrigação do governo federal.
Por sua vez, as Forças Armadas poderiam ser empregadas eventualmente. Mas estão longe as circunstâncias que exigiriam o uso de tropas
e equipamentos bélicos dessa natureza. São Paulo não é o Haiti, apesar de
todo o esforço em contrário, inclusive
com o apoio dos bandidos.
Sob pressão emergencial, a União
resolveu liberar R$ 100 milhões do
Fundo Penitenciário Nacional a favor
do governo paulista, que lhe mostrou
a necessidade imediata de R$ 354 milhões para adequar nosso aparato de
segurança.
Seria incabível criticar a liberação
do dinheiro, embora insuficiente. Todavia, o apoio financeiro quase tardio
provém de um dos fundos nacionais
existentes para investimentos rotineiros nos Estados, de maneira que a
segurança pública não fique a reboque do crime.
Os recursos daqueles fundos, entre
eles o Penitenciário e o de Segurança
Pública, deveriam ter fluído antes de
emergências previsíveis como a caracterizada pelos atentados do PCC.
Jamais ser liberados como cortesia
ou benesse pré-eleitoral.
O governo paulista pediu ao federal
que acompanhe e auditore as contas
bancárias dos integrantes do crime
organizado por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça -coisas que também já deveriam estar ocorrendo há
tempos por imposição legal. Pediu
ainda o incremento das ações de inteligência entre as forças federais e as
polícias estaduais, assim como o aumento do efetivo da Polícia Federal
em São Paulo.
Nada fará sentido, porém, sem uma
central de informações na qual representantes de todos os segmentos da
inteligência civil e militar existentes
em São Paulo comunguem dia-a-dia
tudo o que sabem. Depende disso a
eficácia do combate ao terrorismo
agora oriundo do crime chamado comum. A lição está clara em experiências vitoriosas no passado.
Pois, como diria Sun Tzu, só vence
quem conhece o inimigo como a si
mesmo, e a melhor vitória ocorre com
a derrota aceita pela mente adversária sem necessidade de combate.
ROMEU TUMA, 74, senador pelo PFL-SP, é corregedor do
Senado Federal. Foi diretor-geral da Polícia Federal (1985-92) e secretário da Receita Federal (1992).
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