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São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

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DANIEL BRAMATTI

Blecaute na segurança

A polícia de São Paulo conta com um instrumento dos mais avançados para planejar seu trabalho e avaliar o resultado dele. Trata-se do Infocrim, sistema informatizado que permite mapear crimes com base em variáveis como tipos de delitos, horário e local em que foram cometidos e características dos envolvidos.
É possível até saber quantos e quais crimes foram cometidos em cada uma das cerca de 45 mil ruas da capital. Um policial pode, por exemplo, acessar todos os boletins de ocorrência de furtos de veículo em determinada rua, verificar se há um padrão e planejar rondas para tentar flagrar os criminosos.
No ano passado, pesquisa Datafolha mostrou que 74% dos paulistanos evitavam certas ruas por medo da violência. É de se imaginar que a grande maioria teria interesse em fazer um mapa do crime nos arredores de onde mora. Com os dados do Infocrim, cidadãos poderiam até traçar a rota mais segura entre a casa e o trabalho ou a escola -ainda que com certa margem de erro, em razão da confiabilidade limitada das estatísticas.
Alguém em busca de imóvel para alugar ou comprar poderia ter entre os critérios de escolha não apenas preço e qualidade mas risco de ser vítima de violência. Acima de tudo, o sistema permitiria a avaliação direta e permanente da qualidade do trabalho da polícia em cada região da cidade.
Em plena era da internet, porém, o mais completo banco de dados sobre a criminalidade é vedado ao público. Não há sinal de que isso vá mudar. No ano passado, questionado sobre a falta de acesso da população ao Infocrim, o governador Geraldo Alckmin saiu-se com uma resposta dúbia: "Há um conjunto de dados que a prefeitura deve ter, os órgãos de segurança devem ter. Há outros que são coisas técnicas. Mas, quanto mais você puder dar dados à população, melhor".
A Secretaria da Segurança Pública, porém, adota o parâmetro inverso: quanto menos dados, melhor. As únicas estatísticas publicadas são as que tiveram a divulgação tornada obrigatória por uma lei de 1995.
São dados trimestrais sobre crimes em três grandes universos: capital, Grande São Paulo e interior. Nem todos os delitos são abrangidos. Os números de assaltos a banco e a caixas eletrônicos, por exemplo, deixaram de ser divulgados há alguns meses.
É como se houvesse um esforço deliberado de impedir avaliações comparativas e análises sobre a política de segurança. Para ter acesso a estatísticas que deveriam ser públicas, jornalistas e pesquisadores têm de contar com a colaboração de alguém com acesso ao Infocrim -sistema cercado de senhas e procedimentos de segurança, mas não imune a vazamentos.
Há outras atitudes que revelam menosprezo pelo princípio da transparência. O atual secretário de Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, desativou no ano passado três comissões, criadas por seu antecessor, que eram abertas à participação de entidades civis. Uma delas tinha como metas avaliar se os crimes eram registrados corretamente e discutir formas de melhorar a divulgação das estatísticas.
Tratando informações públicas como patrimônio privado, o governo perde em confiabilidade -ainda que não tenha nada a esconder, seus procedimentos reforçam a impressão contrária.


Daniel Bramatti é editor-adjunto de Cotidiano. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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