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DANIEL BRAMATTI
Blecaute na segurança
A polícia de São Paulo conta com
um instrumento dos mais avançados para planejar seu trabalho e
avaliar o resultado dele. Trata-se do
Infocrim, sistema informatizado que
permite mapear crimes com base em
variáveis como tipos de delitos, horário e local em que foram cometidos e
características dos envolvidos.
É possível até saber quantos e quais
crimes foram cometidos em cada uma
das cerca de 45 mil ruas da capital. Um
policial pode, por exemplo, acessar todos os boletins de ocorrência de furtos
de veículo em determinada rua, verificar se há um padrão e planejar rondas
para tentar flagrar os criminosos.
No ano passado, pesquisa Datafolha
mostrou que 74% dos paulistanos evitavam certas ruas por medo da violência. É de se imaginar que a grande
maioria teria interesse em fazer um
mapa do crime nos arredores de onde
mora. Com os dados do Infocrim, cidadãos poderiam até traçar a rota
mais segura entre a casa e o trabalho
ou a escola -ainda que com certa
margem de erro, em razão da confiabilidade limitada das estatísticas.
Alguém em busca de imóvel para
alugar ou comprar poderia ter entre
os critérios de escolha não apenas preço e qualidade mas risco de ser vítima
de violência. Acima de tudo, o sistema
permitiria a avaliação direta e permanente da qualidade do trabalho da polícia em cada região da cidade.
Em plena era da internet, porém, o
mais completo banco de dados sobre
a criminalidade é vedado ao público.
Não há sinal de que isso vá mudar. No
ano passado, questionado sobre a falta
de acesso da população ao Infocrim, o
governador Geraldo Alckmin saiu-se
com uma resposta dúbia: "Há um
conjunto de dados que a prefeitura
deve ter, os órgãos de segurança devem ter. Há outros que são coisas técnicas. Mas, quanto mais você puder
dar dados à população, melhor".
A Secretaria da Segurança Pública,
porém, adota o parâmetro inverso:
quanto menos dados, melhor. As únicas estatísticas publicadas são as que
tiveram a divulgação tornada obrigatória por uma lei de 1995.
São dados trimestrais sobre crimes
em três grandes universos: capital,
Grande São Paulo e interior. Nem todos os delitos são abrangidos. Os números de assaltos a banco e a caixas
eletrônicos, por exemplo, deixaram de
ser divulgados há alguns meses.
É como se houvesse um esforço deliberado de impedir avaliações comparativas e análises sobre a política de segurança. Para ter acesso a estatísticas
que deveriam ser públicas, jornalistas
e pesquisadores têm de contar com a
colaboração de alguém com acesso ao
Infocrim -sistema cercado de senhas
e procedimentos de segurança, mas
não imune a vazamentos.
Há outras atitudes que revelam menosprezo pelo princípio da transparência. O atual secretário de Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, desativou no ano passado três comissões,
criadas por seu antecessor, que eram
abertas à participação de entidades civis. Uma delas tinha como metas avaliar se os crimes eram registrados corretamente e discutir formas de melhorar a divulgação das estatísticas.
Tratando informações públicas como patrimônio privado, o governo
perde em confiabilidade -ainda que
não tenha nada a esconder, seus procedimentos reforçam a impressão
contrária.
Daniel Bramatti é editor-adjunto de Cotidiano. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às
terças-feiras nesta coluna.
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