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TENDÊNCIAS/DEBATES
GABRIEL WEDY
O bode expiatório (ou a culpa é do juiz)
A aprovação da proposta de emenda constitucional nº 89 pelo nosso Senado não tem precedente nem nos tempos negros da ditadura militar
Desde o começo da história do
homem sempre existiu a necessidade de se achar um culpado. Na tradição hebraica, por exemplo, os sacerdotes sorteavam um bode, que
era abandonado no deserto para levar os pecados do povo de Israel.
Daí a expressão "bode expiatório".
Há algum tempo que a magistratura, de maneira geral, tem sido
usada dessa forma.
O acúmulo de processos pelo excesso de recursos previstos em lei
que lotam os tribunais... é culpa do
magistrado. O criminoso que é libertado porque a legislação assim
determina e que volta a transigir... é
culpa do magistrado.
Tem sido assim nos últimos
anos; por isso, são comuns propostas que retirem direitos e garantias
constitucionais de magistrados.
A proposta de emenda constitucional nº 89/2003, aprovada pelo
Senado e que ainda deverá ser votada pela Câmara dos Deputados, é
um desses casos. Definitivamente,
foi uma decisão infeliz. Ela pretende acabar com o direito do magistrado de só perder definitivamente
o cargo de juiz por sentença judicial
com trânsito em julgado.
É claro que a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) é contra a impunidade em qualquer esfera da sociedade, inclusive no Judiciário. Mas isso não pode significar
o fim de garantias e direitos que
permitem ao magistrado agir com
independência e autonomia.
Foi com esse fim que o constituinte criou salvaguardas que protegem quem exerce a magistratura
contra abusos de terceiros. Tais salvaguardas são vitais para manter a
estrutura da República que nasceu
com a Constituição de 1988.
O magistrado não pode ter receio
de condenar o réu, quando presentes as provas nos autos, seja ele
um poderoso político ou um rico
empresário.
A decisão do Senado não tem
precedente nem nos tempos negros
da ditadura militar que flagelou
nosso país por mais de 20 anos. É
completamente inconstitucional!
A má vontade demonstrada pelos senadores mais parece uma retaliação às recentes decisões da
Justiça, principalmente da Justiça
Eleitoral, e da campanha da Ficha
Limpa. O juiz, para julgar com imparcialidade, deve estar acima de
qualquer tipo de pressão.
O texto agora será encaminhado
à Câmara para votação. A Ajufe e os
magistrados federais esperam daqueles representantes do povo bom
senso e respeito às normas constitucionais; dessa forma, espera que
o projeto seja rejeitado por lá.
Se isso não ocorrer, esta associação ingressará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, onde temos certeza de que esta injustiça
será corrigida.
GABRIEL WEDY, 36, é juiz federal, presidente da
Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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