São Paulo, sexta-feira, 19 de setembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Por uma educação poética
GABRIEL CHALITA
Essas e tantas outras percepções e virtudes provêm do aprendizado adquirido na família e das influências recebidas pelo meio. É aí que entra o papel da escola e o trabalho sensível dos educadores. Mestres são também maestros. Regentes cuja missão é ensinar os músicos/aprendizes a ler as partituras da vida, equilibrando razão e emoção, competência técnica e amor. Para isso, há que despertar os educandos para o singelo, para a verdade e para a beleza essencial de todas as coisas. Em seus versos irretocáveis, Manuel Bandeira sintetiza parte dos conceitos filosóficos descritos por Platão a respeito do belo, tanto em seu texto "Fedro", quanto na "República". No primeiro, o filósofo nos diz: "...na beleza e no amor que ela suscita, o homem encontra o ponto de partida para a recordação ou a contemplação das substâncias ideais". Já em sua "República", Platão compara o bem ao sol, que dá aos objetos não apenas a possibilidade de serem vistos, como a de serem gerados, de crescerem e se nutrirem. O pensamento filosófico e a poesia não oferecem mapas ou guias para a felicidade. Muito melhor do que isso, apontam caminhos para que possamos ter o prazer de encontrá-la pelos nossos esforços. Assim deve ocorrer também com a educação, cujo compromisso maior precisa ser o de proporcionar escolhas, opções de rota, além de fornecer aos seres em formação os instrumentos básicos para as suas jornadas pessoais. Mestres e aprendizes têm de compartilhar a fascinante aventura da troca e da descoberta, de modo que, juntos, ampliem a capacidade de olhar as paisagens da vida com os olhos de ver... Carlos Drummond, outro mestre sagrado da poesia, já falava sobre isso em seu belíssimo poema "A Flor e a Náusea": "Uma flor nasceu na rua!/ (...) Uma flor ainda desbotada/ ilude a polícia, rompe o asfalto./ Façam completo silêncio, paralisem os negócios,/ garanto que uma flor nasceu./ (...) É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio". Essa visão privilegiada dos poeta, dos grandes visionários e filósofos tem de estar no cerne das propostas educacionais. Seja nas instituições de ensino superior, seja nas escolas da rede pública ou privada, nos colégios da periferia, quiosques, cabanas e ocas em que a educação transcende as carências de infra-estrutura física e material e se dá por meio do altruísmo de milhares de mestres. É preciso utilizar uma pedagogia que revele o bom, o bem e o belo em sua essência primeva. No ensaio "Inquietudes na Poesia de Drummond", o professor Antonio Candido discorre sobre o que chama de "função redentora da poesia". É esse o alerta e o norte necessários à educação de excelência. No dia-a-dia da sala de aula, no vaivém do processo de ensino/ aprendizagem, no ritmo alucinante da busca pelo saber, é necessário encontrar tempo para ler, reler e resgatar, enfim, os dizeres dos grandes filósofos e poetas, de modo que possamos nos educar e educar aos demais para olhar o asfalto e, ainda assim, poder enxergar a flor. Gabriel Benedito Issaac Chalita, 34, professor de direito da PUC-SP, é o secretário da Educação do Estado de São Paulo. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Tercio Sampaio Ferraz JR.: Holocausto judeu ou alemão? Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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