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O "toque de recolher" para menores de 18 anos é uma boa medida de combate à violência?
SIM
Menor protegido, menos violência
DALMO DE ABREU DALLARI
TEM SIDO muito frequente o noticiário de violências cometidas
por menores ou contra eles em
horários noturnos, período que é
muito propício à reunião de adolescentes em locais que estimulam o
consumo de álcool ou a circulação de
drogas.
Daí a necessidade de uma proteção
especial, que não seja opressiva e não
cerceie os direitos fundamentais do
adolescente, mas que lhe dê segurança, evitando que ele seja vítima dos
que abusam de sua inexperiência ou,
então, de suas ingênuas fantasias de
independência ou coragem.
E tem sido frequente que, no noticiário de violências envolvendo menores, venha a informação de que os
pais e as mães ficaram surpresos
quando receberam a notícia de que
seus filhos ou filhas estavam sujeitos
a esse tipo de envolvimento.
Por uma série de razões, muitas vezes a proteção da família é insuficiente, mesmo que o menor viva em um
ambiente familiar saudável, pois existe sempre a possibilidade de outras
influências, sobretudo quando o menor começa a ter vida independente.
Foi pelo reconhecimento desses
riscos e dessa insuficiência que se incluiu na atual Constituição brasileira,
no artigo 227, um dispositivo segundo o qual é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente seus direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim, pois, é dever do Estado adotar as medidas necessárias para que
os menores não sejam expostos a situações em que existe o risco de que
venham a ser vítimas de alguma espécie de violência.
Para o cumprimento dessa obrigação constitucional, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, lei federal
nº 8.069, de 1990, estabeleceu regras
pormenorizadas sobre a garantia dos
direitos da criança e do adolescente,
incluindo a adoção de iniciativas visando possibilitar o efetivo gozo dos
direitos, mas prevendo expressamente que tal gozo fique sujeito a condicionamentos legalmente impostos,
admissíveis nos casos em que a experiência mostre que são recomendáveis ou mesmo necessários para que
seja evitada a exposição dos menores
a abusos e violências.
Com efeito, no capítulo segundo do
ECA, que trata "Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade", encontra-se, no artigo 16, uma referência
expressa ao direito à liberdade de locomoção, nos seguintes termos: "O
direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I- ir, vir e estar nos
logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições
legais".
Reafirma-se aí o direito à liberdade
de locomoção, mas, tendo em vista a
especial necessidade de proteção dos
menores, existe a previsão de limitações legais.
Foi com fundamento nessas disposições constitucionais e legais que juízes da infância e juventude, em colaboração com os conselhos tutelares,
tomaram a iniciativa de fixar condições para a circulação noturna de
crianças e adolescentes.
As regras fixadas não impedem o
exercício do direito de locomoção no
período noturno, mas estabelecem
condições razoáveis, tendo em conta
o risco de violências a que ficam sujeitos os menores nesse período, como a
experiência comprova amplamente.
Com tais medidas, continua garantido o direito à liberdade de locomoção e, ao mesmo tempo, os menores
ficam a salvo de situações de violência, o que, por decorrência, contribui
para reduzir a violência na sociedade.
Por tudo isso, a adoção de medidas
especiais de proteção dos menores no
período noturno, que a imprensa vem
identificando, com evidente impropriedade, como "toque de recolher",
tem claro fundamento na Constituição e na lei e, sem nenhuma dúvida, é
uma contribuição valiosa para evitar
que os menores sejam utilizados para
a prática de violências contra eles
próprios e contra toda a sociedade.
DALMO DE ABREU DALLARI , 77, é professor emérito da
Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios
Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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