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TENDÊNCIAS/DEBATES
Escândalos no mundo universitário
ROBERTO ROMANO
Os últimos fatos de malversação de
recursos que abalaram as universidades paulistas, em centros de pesquisa
nelas instalados, exigem reflexão e
prudência. O mínimo a dizer é que dinheiro público foi distribuído sem
atentar para os alvos institucionais dos
campi.
Há bom tempo, os setores acadêmicos entraram numa fase decisiva para
sua vida ética: a renovação dos fins
universitários. No mundo todo, desde
que Margaret Thatcher impôs as regras da avaliação neoliberal às venerandas Oxford e Cambridge, o imperativo categórico dos professores resume-se a arrecadar dinheiro para manter imensas estruturas (laboratórios,
bibliotecas, prédios etc.). O correlato
dessa faina é a preparação dos pesquisadores para a venda do que se produz
naqueles setores. Segundo um analista
do fenômeno, entre as pessoas mais
importantes nas universidades está o
indivíduo que amealha verbas, públicas ou particulares. Enquanto isso, os
docentes assumem o papel de ambulantes que seguem pelo mundo inteiro, angariando lugar na mídia, vendendo o logotipo de sua instituição para o público e para quem decide sobre
os orçamentos.
Instalou-se um darwinismo financeiro no mundo da pesquisa. A luta
para atingir os alvos universais do saber e do reconhecimento não mais
ocorre entre indivíduos ou grupos dedicados à ciência. Continua válida, infelizmente, a frase de
Alexandre Kojève sobre o mundo intelectual: o "reino dos ladrões roubados".
Hoje, as próprias
universidades se definem como sôfregas
concorrentes, numa
guerra sem regras e
sem respeito, tendo
em vista os recursos.
A "boa" administração, científica ou
pedagógica, é a eficaz nesse plano. A
"excelência" acadêmica mede-se com
o número de entrevistas fornecidas
pelos professores. Vencem os núcleos
que dominam a propaganda.
Assim, mais dinheiro é dado aos departamentos colocados no topo das
listas de avaliação regidas pelo marketing. No mesmo passo, "os mais pobres, ou os que ainda estão se desenvolvendo, permanecem famintos de
dinheiro (...). Em longo termo, isso
permite a concentração de recursos
nos centros de alto desempenho, encorajando o sumiço de departamentos, até mesmo de universidades, percebidas como fracas" (Bill Readings,
"The University in Ruins", Harvard
Un. Press, 1996).
Essa violência, comum na Europa e
nos EUA, começa a produzir frutos no
Brasil. Os fatos lamentáveis que surgem hoje, reportados
pela Folha, são apenas
a última fase de erros
internos e externos à
universidade acumulados em décadas. Os
governos brasileiros,
no plano federal e nos
Estados, cortaram recursos para instituições de ensino superior. No mesmo passo,
os salários dos professores foram congelados. Numa sociedade onde não
existe o investimento particular, a
fundo perdido, nos campi, também
definharam os meios oferecidos para
a pesquisa fundamental. A receita salvadora, oferecida aos pesquisadores
brasileiros, é a mesma imposta por
Thatcher aos ingleses: buscar dinheiro
onde ele se encontra, no mercado, nas
"parcerias com a iniciativa privada".
Veio o apelo à propaganda e aos procedimentos habituais do soberano
mercado. A atividade de extensão, um
esteio da universidade hoje em ruínas,
tornou-se o caminho de professores
em busca de recursos.
Os fatos lamentáveis que surgem hoje são apenas a última fase de erros acumulados em décadas
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No mesmo tempo, surgiram os "núcleos", os "grupos", os "centros", entidades não raro fantasmagóricas e sem
determinação jurídica responsável,
servindo como instrumento na luta
pela melhoria dos orçamentos familiares ou, se ainda existe certa ética, de
laboratórios e bibliotecas sucateados.
Sem esse pano de fundo é impossível entender a enxurrada de fatos escandalosos envolvendo a vida universitária. Volto à proposta, feita por
mim nesta Folha há bom tempo, de
criar uma comissão de controle externo dos recursos públicos alocados nos
campi, oficiais ou particulares. A comissão seria composta por representantes de Executivo, Legislativo e Judiciário, além de representantes da própria universidade e dos segmentos sociais.
Em cada ano, antes da elaboração
orçamentária, todas as universidades
que receberam recursos públicos deveriam apresentar suas contas, explicando o que fizeram com verbas públicas. Às que tivessem bem empregado os meios, todo apoio seria concedido, inclusive maior aporte financeiro.
As que não pudessem justificar seus
gastos receberiam sanções diversas,
até o corte absoluto de verbas. Enquanto algo assim não se efetivar e a
política científica brasileira não assumir novos rumos os escândalos universitários serão cada vez piores, até
que nada reste da autoridade ética e
moral, base mínima do comportamento nas universidades.
Roberto Romano, 53, filósofo, é professor de ética e
filosofia política na Unicamp (Universidade Estadual
de Campinas).
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