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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Argentina, economia e teologia

BUENOS AIRES - A Argentina está crescendo neste ano ao ritmo asiático de 8%, o desemprego diminuiu (pouco, mas diminuiu), o investimento aumentou 30%, o consumo cresce.
Parece um milagre, em especial depois da crise de 2001/02.
O que aconteceu? Simples, na opinião do jovem presidente do Banco Central, Alfonso Prat Gay, 37 anos, uma usina de idéias instigantes, convencionais e não-convencionais: a maioria de seus colegas economistas segue o que ele chama piedosamente de "economia normativa".
Quer dizer o seguinte: apostam no que "deve acontecer" se forem dadas tais e tais condições, não na vida real. Prefiro chamar esse tipo de comportamento de teológico, pois pressupõe que, também na economia, quem viola um dos dez mandamentos vai inexoravelmente para o inferno.
A Argentina violou os dez. Ou, como rememora Prat Gay, "rompeu todos os contratos, meteu a mão no bolso de todo o mundo (ao introduzir o famoso "corralito", a retenção de depósitos) e fez a moratória".
Por que, não obstante, não foi para o inferno, embora tenha dado um mergulho nele, sim? Porque a vida e a economia são mais complicadas.
Pena que o espaço seja pequeno para detalhar a análise de Prat Gay. Fico num caso micro: uma empresa lançou apartamentos de US$ 1,5 milhão no agradável bairro de Palermo. Vendeu todos em uma semana.
Ah, dirá você, brasileiro cínico, é porque, para rico, não há crise, e só rico compra essas coisas. É meia verdade, contesta Prat Gay. A outra metade da verdade é esta: os preços da construção caíram, mas os preços do prédio pronto voltaram, em dólares, aos níveis do câmbio fixo, gerando oportunidades tremendas de lucro. A economia real, ao contrário da teológica, move-se por esses parâmetros.
Se eu fosse o ministro Palocci, incluiria Prat Gay na lista de economistas que ele consulta regularmente, das mais variadas visões.
P.S. - Concedo ao leitor três semanas de férias, neste espaço. Sei que é pouco, mas é tudo o que posso fazer para aliviá-lo, por enquanto.


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