|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
De sindicalistas a analistas
RICARDO ANTUNES
Nos escândalos do governo do PT, um traço persiste e inquieta: a presença de lideranças que nasceram com o "novo sindicalismo"
"Como é difícil aspirar o fim sem desprezar o meio! Alguns até confundem os
meios com o fim, desfrutam daqueles
perdendo este de vista"
(Goethe, "As Afinidades Eletivas")
NOS INÚMEROS escândalos que
vexaram o governo do PT, há
um traço persistente e inquietante: a presença de lideranças que
nasceram com o "novo sindicalismo".
Delúbio, Okamotto, Gushiken, Lorenzetti, Bargas e Berzoini, todos,
sem exceção, iniciaram suas carreiras
nos degraus do sindicalismo.
Quase todos galgaram os andares
superiores da CUT (Central Única
dos Trabalhadores) militando ativamente na tendência Articulação Sindical, que há muito controla com
mão-de-ferro a central.
Todos saltaram de postos sindicais
para atividades diretamente políticas
-como assessores, como parlamentares ou até mesmo como ministros
de Estado. Se incluirmos os conselhos
das estatais e dos fundos de pensão, aí
o espaço seria insuficiente para listar
tantos nomes.
Se o envelhecido "novo sindicalismo" tem uma história diferente do
que se conheceu como "aristocracia
operária" nos países centrais, como
explicar, então, a sua conversão de
sindicalistas a "analistas simbólicos",
analistas de "risco e mídia"? Como
explicar o salto tão bem-sucedido?
É preciso reconhecer que muitos
deles foram forjados nas vivas lutas
sociais durante a ditadura militar. Alguns vinham da militância de base,
próximos da esquerda católica; outros saíram das diferentes correntes
marxistas, em dissensão com os partidos comunistas; outros, ainda, se postulavam como "sindicalistas autênticos", recusando qualquer vinculação
política; enfim, era variada a gama de
sindicalistas.
Foi neste mesmo solo que floresceu
o mais importante de todos, Luiz Inácio Lula da Silva, o agora presidente
Lula, o metalúrgico, que, inicialmente, também recusava a política para
fazer sindicalismo.
Mas, se a origem dos sindicalistas
foi diversa, a Articulação Sindical foi,
pouco a pouco, moldando-os. Os que
vieram da esquerda foram se esquecendo do passado militante. Quem
pode imaginar que Gushiken fazia
trepidar os palanques, citando Trótski com um vigor nada zen, atormentando a vida dos banqueiros?
Os chamados "sindicalistas autênticos" foram deixando para trás a espontaneidade de suas lutas, foram se
tornando homens da máquina sindical (depois do partido), tão mais pragmáticos quanto mais alçavam vôos na
hierarquia, tão mais cordiais quanto
maiores eram as vantagens materiais.
Abandonaram a política de formação de classe e de base -histórica em
todo sindicalismo crítico e de esquerda- pela prática do sindicalismo negocial, maneiroso para fora e mandonista para dentro.
Apreenderam, nos infindáveis convênios, cheios de recursos, com parcelas do sindicalismo internacional,
como envelhecer precocemente.
Combinaram, com sapiência, o pragmatismo sindical com a política aparelhista dentro da estrutura.
Tendo sempre como lema a recusa
da reflexão -de novo, Lula é a expressão típica-, vivenciaram as múltiplas
vantagens da ascensão. Trocaram a
riqueza da espontaneidade pela leveza da praticidade.
Paralelamente à depressão ideo-política, dava-se a ascensão da "nova
corporação".
O velho corporativismo getulista
era substituído pelo neocorporativismo da fase lulista. A chamada "república dos sindicalistas" deixava para
trás os reais interesses do trabalho,
mantendo, no entanto, os pilares herdados do sindicalismo atrelado ao
Estado.
Pudemos então presenciar, com a
desmontagem da Previdência pública
e o fortalecimento dos fundos de pensão, o reencontro simbólico, agora no
mesmo palanque, de Gushiken, Berzoini e os banqueiros.
Quem lembra da CUT em sua origem -de base, socialista e pluralista-
e vê hoje seu núcleo dirigente atrelado e atolado nos cargos do governo,
dependente dos fundos públicos para
sobreviver, olhando com volúpia para
os fundos de pensão, sabe do que estamos falando.
Esse solo, no qual pragmatismo, ascensão social, vantagens materiais,
aparelhos sindicais e partidários, tesourarias, recursos, dólares, mandonismo e burocratismo foram cimentados e incentivados pelo "culto do líder", gerou uma gama de "pequenos
chefes", amigos do rei que tudo fazem
para agradá-lo e servi-lo de todos os
modos e de todas as maneiras. Até
quando a atual campanha eleitoral já
estava praticamente ganha, foi preciso forjar um dossiê para que a vitória
fosse acachapante. Deu no que deu.
Curta foi sua trajetória, de sindicalistas a analistas.
RICARDO LUIZ COLTRO ANTUNES, 49, é professor titular de sociologia do trabalho do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp (Universidade de Campinas). É autor, entre outras obras, de "Riqueza e Miséria do
Trabalho no Brasil" (Boitempo).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Evo Morales: Somos irmãos Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|