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São Paulo, quarta-feira, 19 de novembro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

A Aeronáutica e os "offsets"

As análises empíricas dos efeitos do investimento direto estrangeiro (IDE) sobre a economia dos países recipientes deixam poucas dúvidas de que ele é o mais importante instrumento de transferência de tecnologia. Pelas externalidades que gera, ele influi sobre o PIB mais fortemente do que investimento nacional de mesma dimensão, mas de tecnologia inferior. Para beneficiar-se desses efeitos, os países hóspedes devem ultrapassar uma massa crítica de capital humano.
A experiência mostra com clareza que, para beneficiar-se plenamente dos ganhos produzidos pela transferência de tecnologia (que são o "plus" que o IDE adiciona ao valor do investimento quando comparado com o nacional), o novo investimento tem de produzir um "upgrade" de produtividade capaz de ser aproveitado pela qualidade da mão-de-obra já existente ou que possa ser preparada e treinada em prazo relativamente curto a custos compatíveis.
Essas considerações parecem relevantes no momento em que o governo brasileiro estuda como ampliar e melhorar o equipamento da nossa Força Aérea. Ao longo dos últimos dez anos, ela, juntamente com a Marinha e o Exército, foi sucateada pela falta de uma visão estratégica mais realista -na doce ilusão de que a "história tinha acabado"!
O governo se prepara para autorizar uma importante compra de aviões sofisticados, isto é, no estado da arte, para dar treinamento adequado ao nosso capital humano militar e para aumentar a sua capacidade de ação. Provavelmente a operação envolverá um crédito de longo prazo, que pressionará o Orçamento anual pelo valor das amortizações mais juros ao longo de dez anos ou mais (depois de alguma carência), mas que produzirá um aumento imediato do endividamento externo.
Financiamentos dessa natureza são sempre acompanhados pelo que se chama de "offsets". Em linguagem comum, "compensações" que reduzem o custo social do investimento. Para tal, os "offsets" têm de ser de natureza duradoura: eles devem alterar a geometria do espaço da produção e criar não só empregos no país comprador mas também nova capacidade produtiva que eleve o grau de sofisticação da indústria local. Em geral, isso se dá na própria indústria nacional de defesa, que aumenta a sua capacitação para fornecimento local mais sofisticado no futuro.
No ano de 1998 (o último de que se dispõe de informações), os "offsets" dos contratantes americanos atingiram US$ 1,7 bilhão com países desenvolvidos (Inglaterra, Alemanha, Fin-
lândia e mais quatro outros). A subcontratação local atingiu 53%, e a transferência de tecnologia, 8%. Por exemplo: o contrato da Boeing para fornecer 40 aviões F-15 no valor de US$ 4,4 bilhões à Coréia do Sul ofereceu "offsets" de nada menos do que US$ 3,3 bilhões para capacitá-la a produzir seus próprios F-15 em 2015!
É preciso deixar claro que "offsets" com aumento de exportações tradicionais não são seguros, porque podem, simplesmente, estar substituindo o que ocorreria sem eles. O "offset" tem de ser uma elevação permanente da capacitação do país, e não um impulso exportador que se extingue no tempo.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br


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