São Paulo, domingo, 19 de novembro de 2006

Próximo Texto | Índice

Troca de figurino

Após devastadora crise moral, Lula tem o poder de compor um ministério que dissipe qualquer suspeita ética de origem

MOBILIZANDO naturais e previsíveis apetites, a reforma ministerial ocupa as atenções do Planalto, exigindo do presidente Lula que abandone, da noite para o dia, o figurino de pai dos pobres, característico de sua campanha eleitoral, em favor da madrasta antipatia de quem se vê pressionado pelo próprio partido e pelos outros, aos quais decidiu se aliar.
Dada a frouxa realidade institucional do país, termina caindo nas mãos do soberano eleito a escolha de auxiliares que, em sistemas políticos organizados, surgiriam em grande parte como decorrência lógica do balanço de forças parlamentar.
Jader Barbalho no Ministério da Justiça; Romero Jucá no Meio Ambiente; Professor Luizinho na Educação; Ângela Guadagnin nos Esportes, Ideli Salvati no Gabinete Civil.
A rigor, somente o bom senso presidencial nos livraria desse cenário de pesadelo. O bom senso de um presidente não depende de outra coisa, entretanto, senão da vigilância da opinião pública. A intensidade do ridículo de que venham a se cercar as próximas escolhas ministeriais depende da habilidade política do presidente em conciliar as pressões partidárias a que está submetido com as exigências de eficácia administrativa que se colocam em seu segundo mandato.
Faz parte do atual sistema que a atividade de negociação política do presidente se dê com os partidos que compõem sua brancaleônica base parlamentar, que vai do PP de Paulo Maluf ao PC do B de Aldo Rebelo, sem que se saiba qual o mais macunaímico dos dois.
Não é absurdo, entretanto, que se espere da próxima equipe ministerial mais do que uma colcha de retalhos tecida conforme a pobre estratégia que fundamentou a aliança eleitoral vitoriosa nas urnas de outubro.
Ministérios como o da Educação, da Saúde, da Previdência, da Ciência e Tecnologia, estão em tese voltados para atender mais às urgências da construção de um país moderno e competitivo do que aos interesses fisiológicos das múltiplas camarilhas a que o presidente volta sua atenção.
Depois da devastadora crise moral de que seu primeiro governo foi espectador omisso e protagonista ativo, o presidente Lula tem nas mãos, chancelado pelas urnas, o poder de compor um ministério que dissipe qualquer suspeita ética de origem. Tem, ademais, a tarefa de corresponder à necessidade de eficiência técnica e qualificação pessoal que cabe esperar de um ministério digno desse nome. Tarefa sem dúvida difícil, dada a qualidade, longe de insuspeita, dos partidos que o apóiam.
Mas o dilema entre as pressões fisiológicas e os imperativos da racionalidade administrativa se concentra, queira-se ou não, na pessoa do presidente da República. O providencialismo dessa situação é típico do regime presidencialista. Da tragicomédia vergonhosa que compõe a vida política brasileira, seria excessivo esperar que o presente ato tenha um final feliz. Que não seja ridículo, pelo menos.


Próximo Texto: Editoriais: Ditadura em moda

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.