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Troca de figurino
Após devastadora crise moral, Lula tem o poder de compor um ministério que dissipe qualquer suspeita ética de origem
MOBILIZANDO naturais e previsíveis
apetites, a reforma
ministerial ocupa
as atenções do Planalto, exigindo
do presidente Lula que abandone, da noite para o dia, o figurino
de pai dos pobres, característico
de sua campanha eleitoral, em
favor da madrasta antipatia de
quem se vê pressionado pelo
próprio partido e pelos outros,
aos quais decidiu se aliar.
Dada a frouxa realidade institucional do país, termina caindo
nas mãos do soberano eleito a escolha de auxiliares que, em sistemas políticos organizados, surgiriam em grande parte como decorrência lógica do balanço de
forças parlamentar.
Jader Barbalho no Ministério
da Justiça; Romero Jucá no Meio
Ambiente; Professor Luizinho
na Educação; Ângela Guadagnin
nos Esportes, Ideli Salvati no Gabinete Civil.
A rigor, somente o bom senso
presidencial nos livraria desse
cenário de pesadelo. O bom senso de um presidente não depende de outra coisa, entretanto, senão da vigilância da opinião pública. A intensidade do ridículo
de que venham a se cercar as próximas escolhas ministeriais depende da habilidade política do
presidente em conciliar as pressões partidárias a que está submetido com as exigências de eficácia administrativa que se colocam em seu segundo mandato.
Faz parte do atual sistema que
a atividade de negociação política do presidente se dê com os
partidos que compõem sua brancaleônica base parlamentar, que
vai do PP de Paulo Maluf ao PC
do B de Aldo Rebelo, sem que se
saiba qual o mais macunaímico
dos dois.
Não é absurdo, entretanto, que
se espere da próxima equipe ministerial mais do que uma colcha
de retalhos tecida conforme a
pobre estratégia que fundamentou a aliança eleitoral vitoriosa
nas urnas de outubro.
Ministérios como o da Educação, da Saúde, da Previdência, da
Ciência e Tecnologia, estão em
tese voltados para atender mais
às urgências da construção de
um país moderno e competitivo
do que aos interesses fisiológicos
das múltiplas camarilhas a que o
presidente volta sua atenção.
Depois da devastadora crise
moral de que seu primeiro governo foi espectador omisso e
protagonista ativo, o presidente
Lula tem nas mãos, chancelado
pelas urnas, o poder de compor
um ministério que dissipe qualquer suspeita ética de origem.
Tem, ademais, a tarefa de corresponder à necessidade de eficiência técnica e qualificação pessoal
que cabe esperar de um ministério digno desse nome. Tarefa
sem dúvida difícil, dada a qualidade, longe de insuspeita, dos
partidos que o apóiam.
Mas o dilema entre as pressões
fisiológicas e os imperativos da
racionalidade administrativa se
concentra, queira-se ou não, na
pessoa do presidente da República. O providencialismo dessa situação é típico do regime presidencialista. Da tragicomédia vergonhosa que compõe a vida política brasileira, seria excessivo esperar que o presente ato tenha
um final feliz. Que não seja ridículo, pelo menos.
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