São Paulo, segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Reprovado

JORGE BORNHAUSEN

Havia acabado de apresentar o melancólico balanço anual do governo Lula, descia da tribuna, quando ouvi uma voz vinda da pequena platéia lateral do plenário do Senado: "Não tem nada, só faltam 12 meses". Tinha sido penosa a preparação do discurso, com a seleção de números e fatos da administração petista. Aquela era a quarta edição, revista e aumentada, das minhas avaliações partidárias do atual governo, a primeira feita por ocasião dos cem dias, as outras ao final de cada ano.


Já não se conta em anos, mas em meses, 12 meses, apenas, o tempo de desídia petista que nos resta suportar


Um exercício deprimente. Ponho-me sempre no lugar dos eleitores e militantes que apostaram tudo em Lula e no PT e imagino a profunda mágoa que lhes deve causar a longa lista de fracassos, corrupções, retrocessos administrativos, mediocridade e descontrole do governo Lula. Sempre me pergunto como é possível errar tanto e, ao mesmo tempo, com tanta arrogância trombetear seus fracassos por meio de meias verdades e propaganda enganosa.
Daí, o conforto da lembrança de que este pode ser meu penúltimo balanço pesaroso, pois já não se conta em anos, mas em meses -12 meses, apenas-, o tempo de desídia petista que nos resta suportar.
Até lá, temos que temperar nosso otimismo com registros nada exultantes, que começam com a crise moral, os desvios éticos de quem fazia da ética a principal alegação da sua diferença.
Qual eleitor de Lula imaginava seu governo irrigado pelo dinheiro espúrio do "valerioduto" e sua prodigiosa e criativa campanha eleitoral, que amealhou tantos votos financiada com dólares pagos em paraísos fiscais nas Bahamas, por meio de caixa dois (ou caixa três, quem sabe, caixa quatro ou cinco, quantos outros caixas frutos de chantagens, propinas e desvios de recursos públicos operados pelo tesoureiro Delúbio?).
Maior desastre ainda é a absoluta falta de programa, projetos, meras orientações. ("Esse governo Lula não usa bússola nem esquadro", me disse outro dia um especialista em educação, desesperado por não entender os rumos da política do MEC de Lula.)
Basta lembrar que o programa Fome Zero -anunciado no minuto seguinte à vitória eleitoral para mudar o eixo do sistema de erradicação da pobreza- desembocou na recauchutagem, equivocadamente, cheia de furos e desvios, dos programas que outros governos implantaram, federais, estaduais e municipais, e que vinham operando até com mais eficiência e objetividade, como o Bolsa-Escola e outros subsídios pontuais que promoviam a transferência de renda mediante a promoção econômica das camadas mais necessitadas.
O governo Lula, porém, prefere o assistencialismo sem porta de saída e o populismo. Ou por acaso é gratuita a identidade profunda que o liga a essa triste e anacrônica figura do coronel Chávez, que conduz a Venezuela a um tremendo retrocesso, quem sabe para torná-la um dia uma imensa Cuba?
A mediocridade do crescimento da economia -2% a 2,5%, um terço da média dos países emergentes no triênio, o período de maior vitalidade mundial dos últimos 50 anos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial- mostra que até os números positivos (como os das exportações, por exemplo) podem ser questionados, já que deviam ser mais significativos, não fossem os gargalos ainda mais apertados nesses três anos, sejam da infra-estrutura física, especialmente portos e estradas, sejam de crédito e assistência, falho, como se viu no caso da falta de recursos para a prevenção da febre aftosa.
Com a carga tributária de 38%, juros reais de 13%, gastos correntes do governo em alta e os investimentos públicos em baixa, nada mais natural do que a queda do Brasil da 65ª para a 109ª colocação no ranking mundial do IDH (Índice do Desenvolvimento Humano), que mede precisamente o avanço dos programas sociais.
Tal queda é conseqüência de aferições, como a realizada pela Unesco, sobre compreensão da leitura pelos alunos do ensino médio: 50% tiveram problemas, e o Brasil ficou na 37ª posição entre 41 países pesquisados. (Por acaso, no dia em que apresentei esse meu balanço em nome do PFL, a greve nas universidades federais havia atingido 108 dias de paralisação, ou seja, o descalabro se estende por todos os níveis do ensino público.)
Infelizmente, nada -nem denúncias como as que fiz no Senado nem alertas como os números das pesquisas, mostrando a insatisfação popular- anima o presidente a corrigir os rumos do governo. A sentença será baixada pelos eleitores em outubro de 2006. A média final do boletim de Lula em 2005 o reprova.

Jorge Bornhausen, 68, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido. Foi governador de Santa Catarina (1979-82) e ministro da Educação (governo Sarney) e da Secretaria de Governo da Presidência da República (governo Collor).
@ - bornhausen@senador.gov.br



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