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TENDÊNCIAS/DEBATES
Madeira, o Tupi do setor elétrico
MAURICIO TOLMASQUIM
O leilão da usina de Santo Antônio consagra o novo modelo do setor elétrico. Dá calafrios imaginar algo desse porte no antigo modelo
O LEILÃO da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, representa um divisor de águas na
história do setor elétrico brasileiro.
Quatro razões permitem dizer isso:
1) marca o retorno da construção de
grandes hidrelétricas no país: a última grande usina construída, Xingó,
data de 1994;
2) desmente a falácia de que o capital privado é avesso a investimentos
em grandes hidrelétricas: Santo Antônio tem 51% de capital privado;
3) denota o início da exploração da
grande fronteira elétrica brasileira:
65% do potencial remanescente se
encontra na região Norte;
4) desmistifica a hipótese de que a
energia na Amazônia, por estar longe
do centro de carga, teria preços inviáveis: apesar do elevado custo de uso
do sistema de transmissão (R$ 25 por
MWh), a energia de Santo Antônio
sairá para o consumidor por apenas
R$ 78,87.
A grande questão do momento é saber como os vencedores conseguiram
fazer um lance tão baixo. Vários fatores explicam esse preço, que nem o
mais otimista dos especialistas apontaria como viável antes do certame.
Da energia total, 30% foram ou serão vendidos no ambiente de livre
contratação a preços superiores ao
que foi vendido para as distribuidoras. Os investidores elaboraram uma
engenharia financeira criativa, calculando reduções expressivas de custos
devido tanto às isenções próprias a
projetos na região amazônica quanto
aos incentivos previstos no PAC.
Os vencedores do leilão pretendem
antecipar para o primeiro semestre
de 2012 a entrada em operação das
usinas, melhorando sobremaneira
seu fluxo de caixa e proporcionando
ganhos ao sistema elétrico brasileiro.
No entanto, a grande redução nos
preços do empreendimento se explica sobretudo pela verdadeira competição com o formato adotado para o
leilão. Três consórcios de grande capacidade técnica e financeira proporcionaram uma das disputas mais acirradas no histórico dos leilões do setor
elétrico. Para viabilizar tal competição, foi necessário um grande trabalho no sentido de reverter uma situação com vícios de origem.
Uma das barreiras à entrada de novos competidores era a forte assimetria de informação entre o grupo que
elaborou o estudo de viabilidade e os
outros possíveis competidores. Essa
situação foi ultrapassada com a realização -e ampla divulgação pela EPE
(Empresa de Pesquisa Energética)-
de estudo de otimização do empreendimento, o que possibilitou inclusive
redução em R$ 3 bilhões nos investimentos propostos originalmente.
Além disso, o governo liberou as
empresas do grupo Eletrobrás para
participar de diferentes consórcios,
fazendo da parceria público-privada
um instrumento importante de alavancagem de investimentos privados.
Finalmente, a ação da Secretaria de
Direito Econômico do Ministério da
Justiça possibilitou a quebra do contrato de exclusividade entre as empresas que realizaram o estudo de viabilidade e os fabricantes das turbinas.
O leilão da usina de Santo Antônio
consagra de vez o novo modelo do setor elétrico. Dá até calafrios imaginar
um leilão de uma usina desse porte no
antigo modelo. O vencedor seria
aquele que oferecesse o maior valor
ao Tesouro pelo uso de bem público, e
não a menor tarifa para o consumidor. Os jornais estampariam manchetes como "Leilão com ágio recorde",
como se o país tivesse tido uma grande vitória, quando, na realidade, o investidor teria de arcar com um risco
maior, e o consumidor, com o custo
do sobrepreço decorrente.
No antigo modelo, o ganhador não
teria a licença ambiental prévia, que
não era um requisito para a licitação
como é atualmente. Seria um verdadeiro "faz-de-conta", em que o governo anunciaria que licitara a expansão
da oferta, mas o país não teria razões
concretas para crer na construção do
empreendimento.
Além disso, o modelo antigo não assegurava o contrato de venda de energia e, portanto, o BNDES, ao contrário do que fará no caso da usina de
Santo Antônio, não poderia utilizar o
contrato como garantia para o financiamento. Felizmente, temos hoje
um modelo que dá segurança aos investidores e garante energia a preços
módicos ao consumidor.
Sem dúvida, também na área energética, a nação tem muitas razões para comemorar o ano de 2007. Assim
como o campo de petróleo de Tupi representa a conquista de uma nova
fronteira em termos de potencial petrolífero de grande importância estratégica para o país, o preço baixo decorrente da usina do Madeira dá a
certeza de que a Amazônia se constitui, de fato, em um grande manancial
de energia elétrica barata para o país.
MAURICIO TOLMASQUIM, 48, doutor em socioeconomia
do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de
Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo
de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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