São Paulo, quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

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Brasil na Opep?

LUIZ GONZAGA BERTELLI

Causou estranheza que a notícia sobre Tupi fosse apregoada no bojo da crise de abastecimento do gás natural

À ÉPOCA de criação da estatal brasileira do petróleo, os seus dirigentes não ignoravam que as reservas do petróleo no Brasil constituíam uma fatalidade geológica, eis que não atingem a superfície da terra, ao contrário de outras regiões, onde o combustível fóssil brota espontaneamente dos poços graças à riqueza das jazidas, como ocorre na Arábia, no Iraque, no Kuwait e no Irã.
O Brasil era, reconhecidamente, um país sem petróleo, com modesta produção terrestre.
Com o fracasso de exploração em terra, foi contratado, em 1960, o geólogo americano Walter Link para chefiar a exploração da Petrobras.
Antes do retorno à sua pátria, ele vaticinou a possibilidade de encontrarmos em abundância o óleo cru no mar e muito pouco em terra firme.
Contudo, os resultados positivos da exploração marítima somente começariam em 1974, com as descobertas pioneiras em águas profundas na bacia fluminense de Campos.
Em 1975, o PIB apresentava notável queda no ritmo de crescimento e a dívida externa aumentava assustadoramente. Em decorrência, o então presidente Geisel autorizou a realização dos contratos de risco na pesquisa do petróleo, afirmando: "O monopólio conferido à Petrobras deve ser entendido como meio para que possa cumprir a finalidade da empresa: o abastecimento nacional do petróleo".
Mais tarde, surgiriam os campos de Santos e do Espírito Santo, com o desenvolvimento de inovadoras técnicas de extração. A Petrobras passaria a retirar o combustível fóssil de uma profundidade de muitos quilômetros abaixo do mar, sendo a primeira empresa a perfurar tão longe.
Doravante, haverá necessidade de dimensionar a real capacidade de Tupi, embora os geólogos anunciem, ufanisticamente, que ela conduzirá o Brasil à honrosa posição do nono produtor de petróleo no universo. Para alguns assessores, o presidente Lula tem confessado que a nova bacia petrolífera poderá superar os 80 bilhões de barris, o que corresponderia a 150 anos do atual consumo brasileiro.
Recentemente, o presidente do Instituto do Petróleo da Inglaterra, Pierre Jungels, afirmou que, para a Petrobras obter petróleo suficiente, seria necessário US$ 1 trilhão em capitais de investimento, além de 350 mil engenheiros e técnicos, assim como consideráveis avanços tecnológicos, tão grandes quanto, no mínimo, os dos últimos 30 anos.
Com o petróleo custando perto de US$ 100/barril, os altos investimentos nas águas profundas estariam justificados. Prevê-se que a extração no novo campo marítimo seria de US$ 30/barril. Hoje, a Petrobras retira a US$ 8/barril. Em contraste, o petróleo saudita custa US$ 2/barril.
No seu mais recente livro, "A Era da Turbulência", o lendário ex-presidente do Federal Reserve Alan Greenspan considera baixa a probabilidade de mudanças nos fundamentos da oferta/demanda do petróleo.
Ademais, o Brasil poderia, verdadeiramente, alcançar a proclamada auto-suficiência, eis que já estamos importando mais de 15% do petróleo cru consumido, com déficit de conta de US$ 5 bilhões, neste ano.
A fim de atender ao consumo brasileiro, são precisos mais de 2,1 milhões de barris/diários, e a produção média é de 1,8 milhão. Quanto ao uso dos derivados, a capacidade de refino da Petrobras está exaurida e, assim, estamos importando o equivalente a 200 mil barris/diários, impactando o balanço de pagamentos, sobretudo nafta, GLP (gás de botijão) e óleo diesel, cujo consumo superará 42 bilhões de litros em 2007. A exaustão e a modernização das refinarias no mundo todo avançam em ritmo muito lento.
Consoante a tabela publicada pela BP, o Brasil é o 11º consumidor do petróleo mundial, ao lado de Itália e Reino Unido. Para os técnicos que participaram da equipe responsável pela descoberta do primeiro campo comercial de Campos (RJ), a capacidade da reserva é prematura. Trata-se, segundo eles, de uma reserva provável, e não de uma reserva provada.
O entusiasmo do governo é visto com cautela, eis que em outras oportunidades as estimativas não se comprovaram, como foi a situação dos campos de Mexilhão (Santos), Namorado (RJ) e Sergipe. Causou estranheza que a notícia fosse apregoada no bojo da crise do abastecimento de gás natural, situação que não será descartada no curto e médio prazos.
Monteiro Lobato, ao escrever "O Escândalo do Petróleo", em 1937, enfatizava que o petróleo é a soberania e a dominação de um país. Tê-lo, na expressão do criador do Jeca Tatu, é obter o sésamo abridor de todas as portas. Não tê-lo é ser escravo.


LUIZ GONZAGA BERTELLI é diretor do Departamento de Infra-Estrutura da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da Academia Paulista de História.

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