São Paulo, domingo, 20 de janeiro de 2008

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Canudo de papel

Censo educacional registra absurdos: país forma dez vezes mais professores de literatura do que de física

HÁ ALGO DE esdrúxulo e preocupante no ensino superior brasileiro. O censo oficial do setor, divulgado em dezembro, registra aberrações curiosas. Existem, por exemplo, dez vezes mais estudantes matriculados em cursos para a formação de professores de literatura do que para o ensino de física e química, áreas didáticas de importância que deveria ser equivalente. São 175 mil os que cursam jornalismo, cifra cinco vezes maior do que a de jornalistas que hoje trabalham com carteira assinada em todo o país (35 mil).
Não há tampouco critério racional que explique o motivo de os estudantes de medicina (74 mil) serem pouco mais numerosos do que os de turismo (66 mil), carreira necessária, embora inflada de forma artificial por um modismo. Igualmente grave é haver 589 mil matriculados em direito, número que supera os 571 mil advogados da ativa registrados pela OAB, como informou Rogério Gentile em texto publicado segunda-feira nesta Folha.
Não pode e não deve ser dado como normal que estudantes encarem os cursos em áreas específicas como se fossem polivalentes. Um exemplo: poucos dos 680 mil matriculados em administração previsivelmente seguirão a carreira. Mas o curso lhes dará alguma forma de segurança ou ascensão no plano de seus projetos pessoais.
O fato é que não existe um modelo que defina com razoável antecedência quais as carreiras que serão objeto de ampla -ou quase nenhuma- demanda. Mesmo assim, é lamentável que inexistam mecanismos que desestimulem a abertura de novos cursos em áreas francamente inchadas. A saturação das matrículas gera um inequívoco mercado de ilusões, presente, em 2005 (últimos dados oficiais), nas 1.578 faculdades de administração, 1.524 de pedagogia, 861 de direito e 497 de jornalismo.
Esses dados não se referem apenas às universidades públicas ou confessionais. Cabe lembrar que 72% dos 4,7 milhões de estudantes estão matriculados na rede particular. Foi sobretudo ela que permitiu, com a expansão de vagas nos anos 90, que hoje 10,4% dos jovens entre 18 e 24 anos estejam cursando o terceiro grau. E isso ainda é pouco. A meta do governo federal é chegar a 30% em 2011.
De modo sumário, essas informações demonstram uma estrepitosa inadequação entre, de um lado, a formatação do ensino superior e, na outra ponta, as expectativas de um mercado com carência no recrutamento de profissionais qualificados.
O problema, no entanto, não é apenas quantitativo. A questão da qualidade também se coloca de forma dramática. E, nesse ponto, o Brasil está engatinhando. É bastante positivo o fato de o terceiro grau ter deixado de ser um destino quase exclusivo das elites, mas a qualidade oferecida pela média dos cursos ainda deixa muito a desejar, em parte por deficiências históricas do ensino fundamental e médio. O diploma, que deveria ser uma ferramenta para a abertura de portas, em muitos casos não passa de um objeto de decoração pendurado na parede de desempregados ou subempregados.


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