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Canudo de papel
Censo educacional registra absurdos: país forma dez vezes mais professores de literatura do que de física
HÁ ALGO DE esdrúxulo e
preocupante no ensino superior brasileiro.
O censo oficial do setor, divulgado em dezembro, registra aberrações curiosas. Existem, por exemplo, dez vezes mais estudantes matriculados
em cursos para a formação de
professores de literatura do que
para o ensino de física e química,
áreas didáticas de importância
que deveria ser equivalente. São
175 mil os que cursam jornalismo, cifra cinco vezes maior do
que a de jornalistas que hoje trabalham com carteira assinada
em todo o país (35 mil).
Não há tampouco critério racional que explique o motivo de
os estudantes de medicina (74
mil) serem pouco mais numerosos do que os de turismo (66 mil),
carreira necessária, embora inflada de forma artificial por um
modismo. Igualmente grave é
haver 589 mil matriculados em
direito, número que supera os
571 mil advogados da ativa registrados pela OAB, como informou
Rogério Gentile em texto publicado segunda-feira nesta Folha.
Não pode e não deve ser dado
como normal que estudantes encarem os cursos em áreas específicas como se fossem polivalentes. Um exemplo: poucos dos
680 mil matriculados em administração previsivelmente seguirão a carreira. Mas o curso lhes
dará alguma forma de segurança
ou ascensão no plano de seus
projetos pessoais.
O fato é que não existe um modelo que defina com razoável antecedência quais as carreiras que
serão objeto de ampla -ou quase nenhuma- demanda. Mesmo
assim, é lamentável que inexistam mecanismos que desestimulem a abertura de novos cursos em áreas francamente inchadas. A saturação das matrículas
gera um inequívoco mercado de
ilusões, presente, em 2005 (últimos dados oficiais), nas 1.578 faculdades de administração,
1.524 de pedagogia, 861 de direito e 497 de jornalismo.
Esses dados não se referem
apenas às universidades públicas ou confessionais. Cabe lembrar que 72% dos 4,7 milhões de
estudantes estão matriculados
na rede particular. Foi sobretudo ela que permitiu, com a expansão de vagas nos anos 90, que
hoje 10,4% dos jovens entre 18 e
24 anos estejam cursando o terceiro grau. E isso ainda é pouco.
A meta do governo federal é chegar a 30% em 2011.
De modo sumário, essas informações demonstram uma estrepitosa inadequação entre, de um
lado, a formatação do ensino superior e, na outra ponta, as expectativas de um mercado com
carência no recrutamento de
profissionais qualificados.
O problema, no entanto, não é
apenas quantitativo. A questão
da qualidade também se coloca
de forma dramática. E, nesse
ponto, o Brasil está engatinhando. É bastante positivo o fato de
o terceiro grau ter deixado de ser
um destino quase exclusivo das
elites, mas a qualidade oferecida
pela média dos cursos ainda deixa muito a desejar, em parte por
deficiências históricas do ensino
fundamental e médio. O diploma, que deveria ser uma ferramenta para a abertura de portas,
em muitos casos não passa de
um objeto de decoração pendurado na parede de desempregados ou subempregados.
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