São Paulo, terça-feira, 20 de janeiro de 2009

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MARCOS NOBRE

O que esperar de Obama

NÃO É ESTRANHO que as expectativas em relação a Obama sejam delirantes. O governo Bush foi um desastre como poucos, e o mundo anda mesmo bem à deriva. E, em uma democracia, expectativas irrealistas são uma maneira de tentar compensar desigualdades políticas. Quem tem poder fica sempre devendo.
Estranho é Obama incentivar essa megalomania generalizada. Estimula a mitologia de ser um Franklin D. Roosevelt em economia, um Martin Luther King em mobilização social e um Abraham Lincoln em política -sem o fim trágico destes últimos por certo.
Não que Obama seja uma figura comum, longe disso. Mas seu histórico e suas escolhas indicam opções recorrentes pelos caminhos menos arriscados. É pouco para tanta mitologia.
É certo que está à vista o fim das políticas obscurantistas dos "neoconservadores". Mas será que haverá avanços significativos para além disso? No reconhecimento de grupos historicamente discriminados, por exemplo? Depende do que se entende por reconhecimento.
Comentando a eleição de Obama, uma imigrante argelina da periferia de Paris declarou: "É politicamente correto dizer "que ótimo! ele é negro" e bater palmas. Só que, lá no fundo, não há mudança. As pessoas dizem uma coisa e acreditam em outra".
É razoável exigir que as pessoas acreditem no que dizem? Ou basta que ajam conforme as regras democráticas e acreditem no que bem entenderem? É razoável exigir que formas de crença, etnia, sexualidade, cor sejam reconhecidas não apenas como legítimas, mas também como boas e valiosas?
Para muitos movimentos negros tolerância não basta. Querem também que formas de levar a vida de pessoas que se declaram negras sejam apreciadas como boas, belas, criativas, capazes. É o pretendem também outros movimentos sociais por reconhecimento, como os movimentos de mulheres e de homossexuais.
Esse tipo de reivindicação está no centro do debate público brasileiro e mundial e costuma provocar reações violentas de recusa e mesmo de repulsa. O governo George W. Bush foi a expressão mais crua dessas acirradas batalhas culturais.
O problema real é: a mera tolerância é suficiente para eliminar a discriminação, o preconceito, ou mesmo a possibilidade de regressões autoritárias e ditatoriais? Na visão de muitos desses movimentos sociais, a resposta é enfaticamente negativa.
Um dos grandes desafios dos próximos anos é o de manter as reações às reivindicações de reconhecimento dentro dos limites da institucionalidade democrática.
Isso pelo menos é razoável esperar de Obama.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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