|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCOS NOBRE
O que esperar de Obama
NÃO É ESTRANHO que as expectativas em relação a
Obama sejam delirantes. O
governo Bush foi um desastre como poucos, e o mundo anda mesmo bem à deriva. E, em uma democracia, expectativas irrealistas são
uma maneira de tentar compensar
desigualdades políticas. Quem tem
poder fica sempre devendo.
Estranho é Obama incentivar essa megalomania generalizada. Estimula a mitologia de ser um Franklin D. Roosevelt em economia, um
Martin Luther King em mobilização social e um Abraham Lincoln
em política -sem o fim trágico destes últimos por certo.
Não que Obama seja uma figura
comum, longe disso. Mas seu histórico e suas escolhas indicam opções recorrentes pelos caminhos
menos arriscados. É pouco para
tanta mitologia.
É certo que está à vista o fim das
políticas obscurantistas dos "neoconservadores". Mas será que haverá avanços significativos para
além disso? No reconhecimento de
grupos historicamente discriminados, por exemplo? Depende do que
se entende por reconhecimento.
Comentando a eleição de Obama, uma imigrante argelina da periferia de Paris declarou: "É politicamente correto dizer "que ótimo!
ele é negro" e bater palmas. Só que,
lá no fundo, não há mudança. As
pessoas dizem uma coisa e acreditam em outra".
É razoável exigir que as pessoas
acreditem no que dizem? Ou basta
que ajam conforme as regras democráticas e acreditem no que
bem entenderem? É razoável exigir que formas de crença, etnia, sexualidade, cor sejam reconhecidas
não apenas como legítimas, mas
também como boas e valiosas?
Para muitos movimentos negros
tolerância não basta. Querem também que formas de levar a vida de
pessoas que se declaram negras sejam apreciadas como boas, belas,
criativas, capazes. É o pretendem
também outros movimentos sociais por reconhecimento, como os
movimentos de mulheres e de homossexuais.
Esse tipo de reivindicação está
no centro do debate público brasileiro e mundial e costuma provocar
reações violentas de recusa e mesmo de repulsa. O governo George
W. Bush foi a expressão mais crua
dessas acirradas batalhas culturais.
O problema real é: a mera tolerância é suficiente para eliminar a
discriminação, o preconceito, ou
mesmo a possibilidade de regressões autoritárias e ditatoriais? Na
visão de muitos desses movimentos sociais, a resposta é enfaticamente negativa.
Um dos grandes desafios dos
próximos anos é o de manter as
reações às reivindicações de reconhecimento dentro dos limites da
institucionalidade democrática.
Isso pelo menos é razoável esperar
de Obama.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O homem e a máquina Próximo Texto: Frases
Índice
|