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Livre, enfim...
ANTONIO DELFIM NETTO
É certamente muito cedo para uma
avaliação adequada da mudança do
regime cambial brasileiro. Uma coisa,
entretanto, é certa: o presidente Fernando Henrique Cardoso, num movimento inteligente e ousado, comprou
a possibilidade de realizar seu segundo mandato com maior sucesso do
que se prenunciava.
A decisão de liberar a taxa de câmbio e deixar o mercado fixá-la livremente deve produzir bons resultados
ao longo de 1999. O presidente tinha
que tomá-la ou enfrentar uma mortal
tragédia para sua biografia: manter o
Brasil num ritmo de crescimento lento durante os quatro anos de seu segundo mandato. Entregaria ao seu sucessor uma nação dissolvida por um
câmbio valorizado sustentado pelas
maiores taxas de juros do mundo. Foi,
pois, uma decisão politicamente correta e não devemos diminuí-la com o
argumento de que não havia outra saída. Pelo contrário, se ele tivesse continuado a seguir os seus conselheiros,
poderíamos estar vivendo a quarta repetição do velho filme "Defenda a Taxa de Câmbio com a Elevação da Taxa
de Juros, Ainda que Isso Extermine a
Economia Nacional".
Mas foi, também, a decisão economicamente correta, ainda que tardia.
As suas consequências, as incertezas
que ela coloca, bem como o grau do
seu êxito, só serão conhecidas dentro
de algum tempo e dependerão, basicamente: 1º) da competência e da coerência das políticas monetária e fiscal;
2º) da rapidez com que possamos implementar e consolidar a crença de
que vamos mesmo estabilizar a relação dívida interna líquida/PIB; 3º) da
grande cruzada exportadora que devemos fazer sobre o suporte de um
câmbio real de equilíbrio e uma taxa
de juros civilizada; e 4º) da relativa estabilidade do mercado internacional
de capitais.
Provavelmente o Congresso vai
aprovar, na sessão de hoje, as condições para o funcionamento menos volátil do mercado cambial. Algumas
das medidas propostas são menos inteligentes do que poderiam ser e outras envolvem algumas injustiças, mas
agora é preciso transigir e dar à nação
as condições de garantir a sustentabilidade da política econômica. Isso pode e deve ser feito porque -pelo menos em princípio- não existe mais a
contradição interna da política econômica.
Não cremos que os efeitos da liberação cambial possam causar grandes
problemas. Em primeiro lugar é pouco provável que ela estimule um aumento significativo da inflação. Já não
existem mecanismos de correção monetária e a recessão praticamente eliminou as reivindicações por aumentos de salário nominal. O salário real
já vem caindo e, o que é pior, acompanhado pelo desemprego, que se deve reduzir tão logo as exportações se
dinamizem. Em segundo lugar o efeito
da desvalorização sobre a dívida pública deve ser muito menor do que se
supõe, devido à possibilidade de redução dos juros nos próximos meses.
Haverá, certamente, alguma repercussão sobre a empresa privada endividada em dólares, que dependerá da velocidade do restabelecimento das linhas
de crédito externas e da queda da taxa
de juros interna.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
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