São Paulo, quarta, 20 de janeiro de 1999

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Livre, enfim...

ANTONIO DELFIM NETTO

É certamente muito cedo para uma avaliação adequada da mudança do regime cambial brasileiro. Uma coisa, entretanto, é certa: o presidente Fernando Henrique Cardoso, num movimento inteligente e ousado, comprou a possibilidade de realizar seu segundo mandato com maior sucesso do que se prenunciava.
A decisão de liberar a taxa de câmbio e deixar o mercado fixá-la livremente deve produzir bons resultados ao longo de 1999. O presidente tinha que tomá-la ou enfrentar uma mortal tragédia para sua biografia: manter o Brasil num ritmo de crescimento lento durante os quatro anos de seu segundo mandato. Entregaria ao seu sucessor uma nação dissolvida por um câmbio valorizado sustentado pelas maiores taxas de juros do mundo. Foi, pois, uma decisão politicamente correta e não devemos diminuí-la com o argumento de que não havia outra saída. Pelo contrário, se ele tivesse continuado a seguir os seus conselheiros, poderíamos estar vivendo a quarta repetição do velho filme "Defenda a Taxa de Câmbio com a Elevação da Taxa de Juros, Ainda que Isso Extermine a Economia Nacional".
Mas foi, também, a decisão economicamente correta, ainda que tardia. As suas consequências, as incertezas que ela coloca, bem como o grau do seu êxito, só serão conhecidas dentro de algum tempo e dependerão, basicamente: 1º) da competência e da coerência das políticas monetária e fiscal; 2º) da rapidez com que possamos implementar e consolidar a crença de que vamos mesmo estabilizar a relação dívida interna líquida/PIB; 3º) da grande cruzada exportadora que devemos fazer sobre o suporte de um câmbio real de equilíbrio e uma taxa de juros civilizada; e 4º) da relativa estabilidade do mercado internacional de capitais.
Provavelmente o Congresso vai aprovar, na sessão de hoje, as condições para o funcionamento menos volátil do mercado cambial. Algumas das medidas propostas são menos inteligentes do que poderiam ser e outras envolvem algumas injustiças, mas agora é preciso transigir e dar à nação as condições de garantir a sustentabilidade da política econômica. Isso pode e deve ser feito porque -pelo menos em princípio- não existe mais a contradição interna da política econômica.
Não cremos que os efeitos da liberação cambial possam causar grandes problemas. Em primeiro lugar é pouco provável que ela estimule um aumento significativo da inflação. Já não existem mecanismos de correção monetária e a recessão praticamente eliminou as reivindicações por aumentos de salário nominal. O salário real já vem caindo e, o que é pior, acompanhado pelo desemprego, que se deve reduzir tão logo as exportações se dinamizem. Em segundo lugar o efeito da desvalorização sobre a dívida pública deve ser muito menor do que se supõe, devido à possibilidade de redução dos juros nos próximos meses. Haverá, certamente, alguma repercussão sobre a empresa privada endividada em dólares, que dependerá da velocidade do restabelecimento das linhas de crédito externas e da queda da taxa de juros interna.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.



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