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Cenas da vida pública
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Na segunda-feira, vi
dois flashes nos jornais da TV: em
Brasília e Belo Horizonte. No primeiro, o gelado protocolo do governo, cada autoridade ocupando o lugar marcado no chão, as palavras contadas e
medidas para esconder a verdade.
Era o mesmo clima patibular dos
tempos da ditadura, os mesmos lugares-comuns patrioteiros aconselhando
ordem. Aqui e ali, a ameaça de uma
chantagem econômica, na base do "se
não for assim será pior". Até mesmo a
cor das imagens era fria, amarelada,
cadavérica.
Em Belo Horizonte, na reunião dos
governadores que pretendem romper o
marasmo da hipocrisia e do pensamento único, havia calor, gente suada
e motivada, povo nas ruas, flores.
Se um esquimó visse as duas cerimônias, mesmo ignorando os detalhes de
nossa vida política, saberia dizer qual
dos dois grupos está com a história.
Nada mais parecido com os últimos
anos do regime autoritário. No Planalto, nas cerimônias do governo militar que se vangloriava de ter feito isso e aquilo, era indisfarçável o clima
de velório, ninguém mais acreditando
no que se dizia, a começar pelos próprios governantes. Enquanto isso, nas
ruas, nas praças, nos estádios, o povo
se mobilizava pelas diretas-já. Era a
festa, discursos exaltados, insuspeitadas alianças na sociedade civil.
Foi mais ou menos isso que se repetiu na segunda-feira passada. Cada
vez mais o atual governo se distancia
das ruas. Pelo contrário: evita as ruas,
com medo de vaias.
Na aparente bagunça da oposição,
com a turma berrando por novas negociações, pelo desenvolvimento, contra o desemprego, alguns exageros ficam por conta da animação provocada pelo reencontro com as ruas.
A gélida formalidade de Brasília,
congelando as autoridades num escancarado constrangimento, só teve o
mérito de realçar a espontaneidade de
Belo Horizonte, varada pela alegria
das ruas, iluminada pela esperança.
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