São Paulo, quarta, 20 de janeiro de 1999

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Cenas da vida pública

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Na segunda-feira, vi dois flashes nos jornais da TV: em Brasília e Belo Horizonte. No primeiro, o gelado protocolo do governo, cada autoridade ocupando o lugar marcado no chão, as palavras contadas e medidas para esconder a verdade.
Era o mesmo clima patibular dos tempos da ditadura, os mesmos lugares-comuns patrioteiros aconselhando ordem. Aqui e ali, a ameaça de uma chantagem econômica, na base do "se não for assim será pior". Até mesmo a cor das imagens era fria, amarelada, cadavérica.
Em Belo Horizonte, na reunião dos governadores que pretendem romper o marasmo da hipocrisia e do pensamento único, havia calor, gente suada e motivada, povo nas ruas, flores.
Se um esquimó visse as duas cerimônias, mesmo ignorando os detalhes de nossa vida política, saberia dizer qual dos dois grupos está com a história.
Nada mais parecido com os últimos anos do regime autoritário. No Planalto, nas cerimônias do governo militar que se vangloriava de ter feito isso e aquilo, era indisfarçável o clima de velório, ninguém mais acreditando no que se dizia, a começar pelos próprios governantes. Enquanto isso, nas ruas, nas praças, nos estádios, o povo se mobilizava pelas diretas-já. Era a festa, discursos exaltados, insuspeitadas alianças na sociedade civil.
Foi mais ou menos isso que se repetiu na segunda-feira passada. Cada vez mais o atual governo se distancia das ruas. Pelo contrário: evita as ruas, com medo de vaias.
Na aparente bagunça da oposição, com a turma berrando por novas negociações, pelo desenvolvimento, contra o desemprego, alguns exageros ficam por conta da animação provocada pelo reencontro com as ruas.
A gélida formalidade de Brasília, congelando as autoridades num escancarado constrangimento, só teve o mérito de realçar a espontaneidade de Belo Horizonte, varada pela alegria das ruas, iluminada pela esperança.



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